terça-feira, junho 08, 2010


DONA FLOR
E SEUS DOIS
MARIDOS


EPISÓDIO Nº 141



A noite inteira a pensar: pesos e medidas, solidão e risos, o sumo do desejo uma lágrima ao nascer do dia. Muito cedo ainda, com a aurora rompendo os contrafortes da dúvida, sentou-se dona Flor ante o espelho para se vestir e pentear. Foi em busca de perfumes, trouxe os brincos da tia Lita e os colocou, experimentando enfeires, blusas e saias, novamente faceira como nos tempos da Ladeira do Alvo quando saía nuns trinques de ricaça. Tão de manhãzinha e já na estica, a melindrosa: acontecera por mais de uma vez o pálido rapaz aparecer antes do almoço. Ao demais era domingo, dia de missa com sermão de dom Clemente.

Quem apareceu antes do almoço e ficou para almoçar foi Mirandão, visita rara. Viera com a esposa e com os filhos, um dos quais, o afilhado de dona Flor, lhe ofertava sapotis e cajás, além de uma gola de croché, trabalho fino da comadre. Por que aquilo, por que tanto presente? Ora comadre se assunte, não vá dizer que não se lembra, não estamos a 19 de Dezembro, dia do seu aniversário? Pois, compadres, quanta bondade e gentileza, ela esquecera a data, já não tinha gostos por aniversários. A esposa de Mirandão não queria querer:

- Não se lembrou? Mas, porque então a comadre está tão chique, vestida de festa desde manhã…

Mirandão recordava num toque de saudade:

- Lembra, comadre? Faz um ano daquela noite no Pálace, nuca mais hei-de esquecer seu aniversário…

Fazia um ano, um ano justo. Ali estava dona Flor toda elegante, penteada, laço de fita nos cabelos, brincos de diamantes nas orelhas e um perfume com odor picante sobre o seio, sem sequer poder atribuir tanto capricho ao aniversário, pois dele se esquecera. Mas os tios não esqueceram, nem dona Norma, dona Gisa, dona Amélia, dona Emina, dona Jacy, dona Maria do Carmo; foram chegando com presentes, caixas de sabonete, vidros de água-de-colónia, sandálias, um corte de fazenda.

- Você está uma beleza, Flor, que elegância! – comentou dona Amélia.

- No ano passado é que estava linda… - disse dona Norma, recordando, ela também, a ida ao Pálace. – Ganhou um presente e tanto…

- Este ano também está ganhando um bom presente… – a voz bisbilhoteira de dona Maia do Carmo.

- Que presente quis saber a esposa de Mirandão.

Entre risos, dona Emina e dona Amélia lhe cochicharam o segredo.

- Não diga…

- Um homem direito – sentenciou dona Gisa – Homem de bem.

Mirandão fora até ao bar do Cabeça onde se reunia uma roda dominical de ilheenses ricos a beber uísque, sob o comando do fazendeiro Moysés Alves. Na sala, as amigas rindo a comentar, enquanto que, com a ajuda de Marilda, dona Flor na cozinha, de avental sobre a elegância,
reforçava o
almoço.

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