sexta-feira, junho 04, 2010


DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS


EPISÓDIO Nº 137



Viu-se dona Flor no centro de uma roda, em plena praça pública, como no jogo infantil da ciranda-cirandinha, mas a roda era formada por marmanjos, os múltiplos candidatos das amigas e comadres à sua mão de esposa. Todos eles,: do suarento e castiço professor Epaminondas Souza Pinto ao árabe Mamede das antiguidades; do santeiro Raimundo de Oliveira ao rábula Aluísio, cunhado de dona Enaide, esse com dupla face; ora um tipão bem posto, ora broco tabaréu. No primeiro plano, o tal comerciante de Itabuna, o abastado Otoniel Lopes, ou seja o nosso caro Príncipe de Tal, Eduardo das Viúvas, abrindo infatigável, como se vê, seu caminho para o solitário coração de dona Flor e para a maçaroca de dinheiro (ele a enxergava grossa e recoberta de jóias), dinheiro que ela em boa hora, inspirada em louvável prudência, preferira guardar em casa e em segurança, em vez de tê-lo perigosamente em empresa ou banco.

Tudo isso decorria dentro de uma gigantesca bola de cristal; do lado de fora, ostentando dentadura e óculos, dona Dinorá, a observar a cena, dirigindo o espectáculo. Lentamente girava a roda, marcando o ritmo os próprios candidatos, em canto e dança em tono de dona Flor:

Ai Florzinha, ai Florzinha
Entrarás na roda
A ficarás sozinha…

Partindo do centro da ciranda, a examinar os pretendentes, um a um, dona Flor respondia:

Sozinha eu não fico
Nem hei-de ficar
Pois já tenho o professor
Para ser meu par…

Com forte umbigada tirou o professor Epaminondas Souza Pinto para seu parceiro e ele muito sem jeito e escabreado saiu dançando em frente a ela, no meio da roda, a cantar sem voz:

Eu fui ao Tororó
Beber água e não achei
Achei bela morena
Que no Tororó deixei.

Seus bens ele lhe ofereceu de dote: uma gramática expositiva, um exemplar dos Lusíadas com anotações a lápis, o Dois de Julho e a Batalha do Riachuelo. Afora isso ainda possuía de reserva alguns feriados nacionais, um general com pouco uso e um navio dentro de uma garrafa (“nela vamos partir a navegar senhora dona Flor”) Tropeçou, porém, nas próprias polainas cor de gelo e levaram a breca sua elegância de bailarino e seu chapéu-de-chuva; dona Flor se ia mijando de tanto rir ao vê-lo cai não cai. Também era por demais ridículo, só mesmo a gringa sem noção de tato
, do respeito devido ao grave e solene professor, era capaz propô-lo
candidato.

Site Meter