segunda-feira, junho 21, 2010

DONA FLOR

E SEUS DOIS

MARIDOS


EPISÓDIO Nº 151



Glutão, porém parcimonioso, seu Sampaio discutira (como fazia todos os anos), propondo à esposa nada preparar em casa, saindo para comer, com ela e o filho, num restaurante: comeriam bem e muito em conta, sem barulho e sem confusão, sem maiores despesas. Como também o fazia todos os anos, desde o casamento, dona Norma reagiu ao prudente e parco alvitre: um jantar americano era o mínimo que podiam oferecer sem desdouro a seu vasto círculo de relações.

Na cama, o dedo grande enfiado na boca, seu Zé gastara os últimos argumentos numa exposição a seu ver irrespondível:

- Sou contra por todas as razões e todas elas válidas.

- Diga-me lá suas razões, mas não me venha com a velha história que a venda dos sapatos está baixando, porque eu vi as estatísticas…

- Não é nada disso… Ouça sem me interromper. Primeiro eu não gosto desse negócio de jantar americano, todo o mundo em pé. Gosto de comer sentado na mesa. Nesse troço americano que vocês inventaram agora, fica todo o mundo cercando a mesa, e eu, que sou encabulado, acabo comendo as sobras; quando vou me servir já comeram toda a frigideira; só tem asa de peru, o peito já se foi. Terceiro: ainda pior sendo aqui em casa. Como dono da casa tenho de me servir por último e aí não encontro nada, fico na mão. Como pouco e mal… Quarto: no restaurante, não. A gente senta, escolhe os pratos – e, como é dia de aniversário, cada um pode comer dois pratos…- esses dois pratos eram sua comovente concessão à família e à gula.

Dona Norma mal aguentava ouvir até ao fim:

- Zé Sampaio, faça favor, não seja ridículo. Primeiro: somos convidados para tudo quanto é aniversário…

- Mas eu nunca vou…

- Vai pouco mas às vezes vai… E quando vai come por cinco… Segundo: não me venha com essa conversa que em jantar americano você se serve pouco, que é encabulado. No aniversário de seu Bernabó, a que você foi só porque o homem é estrangeiro, você botou em seu prato quase metade do suflê de camarão, sem falar nas empanadas… Uma esganação…

- Ah! – gemeu seu Sampaio – a comida de dona Nancy é uma beleza…

- A minha também… Não fica a dever nada… Terceiro: aqui em casa você nunca se serviu por último, é o primeiro a se servir, uma má educação, nunca vi igual. Uma feiura, o dono da casa… Quarto: em jantar meu não falta comida, benza Deus. Quinto: comida de restaurante…

- Basta… - suplicou o comerciante, envolvendo-se todo nos lençóis – eu não posso discutir, estou com a pressão alta…

Jantar de dona Norma era banquete; se convidava vinte, fazia comida para cinquenta; com razão, pois toda a pobreza em redor vinha limpar os fundos das panelas, beber as sobras das garrafas.

Naquele ano, o aniversário de seu Sampaio trouxe toda a vizinhança à sua casa; inclusive os Bernabós, dona Nancy buscando entrosar-se na roda das amigas, seu Hector a falar de negócios e
a alardear o progresso da Argentina.

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