quarta-feira, julho 21, 2010


DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS

EPISÓDIO Nº 178


Possuindo dona Flor amarga experiência – dissera seu Sampaio, embaixador plenipotenciário – não se dispunha a passo tão sério sem amplas garantias de sucesso.

Passo tão sério: nem mesmo dona Norma, com toda sua disposição e não menor capacidade, se animou a sozinha aconselhar a amiga sobre o teor da resposta às folhas azul e ouro, recendendo a perfume de sândalo e a paixão. Para ela, íntima e fraterna de dona Flor, a par de seus segredos, de sua necessitada condição de jovem fêmea presa nas grades da viuvez, não havia dúvidas: aquele casamento era a boa solução para todos os problemas da amiga. Mas a resposta à ardente e cortês declaração não podia resumir-se a uma palavra: “aceito”. E depois?

Necessário aproveitar a ocasião para botar tudo em pratos limpos, definindo-se atitudes, termos e prazos, de tal forma não caísse dona flor na boca-do-mundo, nem se prolongasse tão pouco a ridícula situação em que se atolara o inexperiente farmacêutico, homem de condição e respeito, de súbito promovido a palhaço e a motivo de galhofa pelas comadres a seguirem-no rua fora, a contarem seus olhares e suspiros, a se divertirem às suas custas.

Eis por que dona Norma convocou não só dona Gisa, letrada e sabichona, amiga do peito, como também quis ouvir seu Zé Sampaio e nele se apoiar. Pensara de começo em tia Lita e tio Porto, encontrando-se em Nazaré das farinhas ou no Rio a mãe e os demais parentes de dona flor. Mas convieram, ela e a viúva, na inutilidade da presença dos bons velhos, nos debates preliminares do caso. Se chegassem ao momento solene do noivado, aí sim, convocariam tia Lita em seu jardim, tio Porto em suas paisagens coloridas para ouvirem do pretendente as intenções e o pedido.

Noite atrapalhada: para garantir a reunião teve dona Norma de obter que dona Amélia a substituísse à cabeceira de uma prima sua, em quinto ou sexto grau, recém parida:

- Essa Norminha não tinha nada de se oferecer de acompanhante, a moça cheia de parentes… Se ofereceu de enxerida, mulher mais espoleta… - reclamava dona Amélia no caminho do hospital a contragosto.

Também dona Gisa desfez um compromisso: reunião musical em casa de uns amigos alemães onde, à meia sombra, ouviam discos de Beethoven e Wagner, em devoto silêncio, chorupitando uma bebidinha. Quanto a seu Sampaio veio de má vontade, a pulso: não era de seus hábitos envolver-se na vida alheia, muito menos com palpites em assunto tão pessoal quanto casamento. Em se tratando, porém, de dona Flor, criatura de sua real estima, viúva e honrada – e um peixão, uma uva!, seu Sampaio não podia conter o pensamento safardana - , decidiu-se a sair de seus lazeres e princípios para servi-la.

Com nova leitura de carta, feita em voz alta e com comentários para seu Sampaio, iniciou-se essa histórica conferência de cúpula (como diria a imprensa de hoje):

- Homem de sentimentos elevados, gostei – concluiu o lojista de sapatos.

- Sim, penso que sim… Por que não? Acho ele simpático…

- Simpático? Um homem e tanto, um zarro – protestou dona Gisa, metida a usar gíria baiana em sua meia língua de gringa.

Acordaram finalmente, por sugestão de dona Norma, delegar poderes a seu Sampaio para, em nome da viúva, entreter-se com o farmacêutico sobre todos os trâmites, anunciando-lhe o sim com exigências:

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