quinta-feira, julho 22, 2010


DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS


Episódio Nº 179


- Término imediato àquelas demonstrações públicas, assanhamento grotesco, pouco condizente com qualquer dos dois interessados, passando-se a noivado discreto, precedido de um encontro com os tios de dona flor onde se oficializasse o compromisso.

Assim feito, poderia doutor Teodoro frequentar a casa da prometida três vezes por semana, às quartas, aos sábados e aos Domingos. Às quartas e aos sábados chegado o jantar e permanecendo até às dez da noite; encontros esses, é evidente, sempre na presença de terceiros para não se poder arguir o menor rumor contra a respeitabilidade da viúva. Aos Domingos, o regime era mais brando, começando com almoço no Rio Vermelho, em casa dos tios, terminando com o cinema, em companhia dos Sampaios ou dos Ruas.

Não se deve encerrar a acta dessa memorável reunião sem nela inscrever-se o desagrado e o desacordo de dona Gisa para com tais limitações. Discordara com ênfase da maior parte das exigências tão ridículas e tolas, em sua opinião carrancismos da Idade Média, feudais e tristes. Mas o próprio Zé Sampaio, homem experiente, as entendia necessárias para precaver-se sem mácula o bom nome da vizinha.

Tudo indicando ser doutor Teodoro homem de honra – o comportamento anterior e os termos altaneiros da sua carta – ainda assim deviam garantir a viúva contra qualquer abuso. Imagine-se o boticário, após meter-se dia e noite em casa indefesa de dona Flor, após exibi-la para cima e para baixo em passeios e excursões, por aí além, ninguém sabe onde, os dois sozinhos, imagine-se o patife dando o fora de repente, como tantas vezes sucedera em casos idênticos; onde iriam parar a honra e o límpido conceito da vizinha? De viúva exemplar pela seriedade e compostura, passaria dona Flor a penico de defunto, onde qualquer um chega, faz pipi e vai-se embora. Podia dona Gisa, em sua sapiência, até rir desses costumes, mas ele José Sampaio, zeloso da saúde moral de dona Flor, era de opinião que…

Idade Média, feudalismo, Santa Inquisição – onde já se viu mulher de trinta anos, viúva, dona de seu nariz, dona de seu dinheiro ganho em trabalho idóneo, necessitar de testemunha ao receber visita do noivo, cavalheiro já adiante dos quarenta? Só no Brasil era possível este atraso… Nos Estados Unidos, seria o riso universal…

Seu Sampaio ouviu a gringa em silêncio, a fitá-la, dando-lhe razão no mais recôndito do seu pensamento: uma besteira e das maiores de todas essas precauções e testemunhas, afinal quem dá o que é seu, dá a quem quer e a quem melhor lhe parecer… E que bom seria se a gringa, tão cheia de farofa e futurismos, se resolvesse a dar-lhe um pouquinho para pôr em prática suas teses, seu desprezo põe essas convenções, por essas ninharias… Mas, que nada! Tanta palavra e indignação, tanta ciência e tantas letras, e era um rochedo; pelo menos até prova em contrário. Se dava era em sigilo e que sigilo mais absoluto! Ninguém, nem mesmo dona Dinorá, jamais tirara qualquer suspeita a limpo, jamais um facto, sequer um pretendente comprovado. Muito falatório, sim, mas tudo em vão, tudo se dissolvendo em coisa alguma. A gringa sorridente, feliz da vida, com todos os sintomas físicos e morais de pança farta, de bem-servida, e as comadres no
maior alvéu, sem descobrir bilosca por mais que fuçassem.

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