quarta-feira, agosto 04, 2010


DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS


Episódio Nº 189


E logo lhe foi dado ver, não por absurdo e, sim, por diferente. Em vez de descobri-la, cobriu-se ele também e, sob os lençóis, com os braços a envolveu.

Trouxe sua cabeça (os cabelos de tão negros quase azuis) e a repousou em seu peito largo como um cais de porto, beijando-lhe com ternura a face e depois a boca num beijo enfim como dona Flor pressentia e esperava.

Tomada de surpresa ela deixou-se ir, e no beijo se rompeu a frágil e delgada casca da vergonha. A mão do esposo desceu da anca para a perna, por sobre a camisola, e toda sua borda de cambraia; e mal dando tempo para que dona Flor de todo se abrisse e se soltasse do recato, lhe suspendeu rendas e babados. Sem gastar tempo em despi-la e em se despir, ou em carícias de deboche de cama de castelo, sempre pelo lençol coberto, se pôs sobre ela e logo a possuiu com vontade, força e encantamento. Foi tudo muito rápido e pudibundo, por assim dizer; muito diverso de quanto conhecera dona Flor, e por isso mesmo ela se perdeu e não o alcançou em tão mudo e quase austero possuir-se. Apenas se desamarrara no pasto de desejo e já ouvia o canto da vitória do marido no outro extremo da campina. Ficou dona Flor como perdida, opressa, uma vontade de chorar.

Aquela ocasião de tanto desencontro permitiu a dona Flor medir, com o metro da aflição e da urgência, toda a gama de sentimentos e a delicadeza do doutor Teodoro.

Como se sabe, era ele sem nenhuma experiência em trato de cama com esposa (por celibatário) e quase nenhuma com amante ou com xodó, tendo frequentado tão-somente raparigas, no receio de arriscar-se a compromisso capaz de levá-lo a romper sua promessa. Mesma a parda e limpa Octaviana, por longo tempo exclusiva porta aberta a seu desejo, poço onde toda a semana depositava sua precisão de homem, nem ela fora jamais terna ligação ou rabicho ardente, apenas gentil necessidade, hábito agradável à natureza monogâmica do doutor.

Ao demais, saiba-se também que, por firmes princípios e convicções ideológicas, rezava o farmacêutico por aquele catecismo hoje (Deo gratias!) superado, a garantir ser a esposa flor sensitiva, feita de castidade e de inocência, merecedora do máximo respeito: para a descaração, para o desembestado gozo, o prazer do corpo, existem as putas e para isso cobram. Com elas, sim, em lhes pagando, pode-se soltar os freios da luxúria sem lhes causar ofensa ou pena, são terras infecundas, de árido plantio. Com a esposa nunca, para ela a descrição, o amor puro, belo e digno (e um tanto insonso): a esposa é a mãe dos nossos filhos.

Pois ainda assim, enredado em tão obsoletos dogmas, com tantas limitações e desconhecimento, deu-se ele conta e de como deixara dona Flor insatisfeita e tensa.

Ora, como também se sabe de ter-se escrito antes, na hebdomadária visita a Octaviana, por várias vezes o doutor Teodoro repetira o feito alegremente. Assim o fez também com dona Flor no leito monumental de jacarandá maciço e cheio de alfazema, naquela noite de bodas, em casa dos Pimentas, devendo-se dizer, aliás, tê-lo repetido com o melhor agrado, não por obrigação e, sim, contente com a oportunidade desse bis. Atento e responsável, para desta vez não a deixar na fímbria do prazer, e conseguindo-o.

Conseguiu-o apesar de ser tão mínima a sua experiência de tais utilíssimos cálculos e medidas, jamais lhe tendo interessado saber se Octaviana ou outra qualquer se satisfizera, ao satisfazê-lo com perícia, pois vinha buscar e pagava o seu prazer e não o prazer da rapariga.

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