segunda-feira, agosto 02, 2010


DONA

FLOR

E SEUS

DOIS

AMORES


Episódio Nº 187


Por que lembrar-se, se era tão amena a noite de Paripe, com estrelas, e lua cheia, mar negro e tranquilo, e a paz do mundo sobre os esposos inibidos? Teodoro, mostra-me depressa mais estrelas, esmaga com tua voz e teu saber as lembranças de um obscuro tempo, defunto e enterrado. Traça em tua constelação nosso caminho largo e aprazível, esse rio calmo, esse remanso, esse viver de golfo, viver feliz que hoje inauguramos devagar. Estremece dona Flor, seus olhos húmidos.

- Você está tremendo, está com frio, minha querida. Que loucura ficar aqui exposto, no sereno; um perigo, pode pegar gripe, um resfriado. Vamos entrar e fechar essas janelas – doutor Teodoro sorriu seu bom sorriso e perguntou um tanto escabriado: - Não acha que já é hora, meu amor?

Ela riu também, atrás dele se escondendo a meio, num jogo de recato e de malícia: “é você quem manda meu senhor”. Ele era tão simpático e tão gentil, um bom gigante, ela sentia o seu apoio, a sua protecção. Deu-lhe o braço, era seu esposo: homem de bem, forte e calmo como lhe fazia falta. Um marido de verdade, às direitas. Como esse mar de golfo, sem violências, sem rompantes, mas quem sabe?, talvez com estrelas escondidas, com riquezas insuspeitas, imprevistas.

Puseram as trancas de madeira nas janelas, ela a ajudá-lo. A noite fez-se pequena e íntima no quarto, um aconchego na medida da timidez dos dois esposos. Como vai ser agora, meu Deus? – interrogou-se dona Flor, ao terminar.

Para fazer alguma coisa, dona Flor foi arrumando sua roupa e a dele nos armários. Aos pés da cama, os dois pares de chinelos; sobre a colcha, o vistoso pijama amarelo do doutor e a camisola de rendas e babados, presente de dona Enaide para a noiva, obra-prima de cambraia. Era uma artista dona Enaide e com esses finíssimos bordados fizera as pazes com a amiga, posto no rol do esquecimento aquele assunto do doutor Aluísio, rábula e sapeca, doutor para inglês ver…

Doutor Teodoro, ah!, doutor de verdade, de canudo e anel, a observava indo e vindo para o armário. Ela lhe exibiu a camisola, tomando-a pelos ombros. “Bonita, não acha?” e ele, ao ver e achar, sentiu um frio no cangote. “Cuidado, meu caro, não ponhas tudo a perder com um gesto brusco, uma palavra forte…” – recomendou-se o noivo mais uma vez. Prudência e tacto impunham-se nestes sete dias de lua-de-mel no paraíso de São Tomé, nos longes de Paripe, em casa dos Pimentas. Sete dias ali, de mar e de jardim, de preguiça e de volúpia, mas a lua-de-mel, essa, iria durar a vida inteira.

Desejou dizer a dona Flor: “nossa lua-de-mel vai durar a vida inteira”. Porque tão tímidos e inibidos? Era come se de súbito houvessem gasto toda a intimidade a duras penas conquistada quando noivos. No entanto, estavam casados, com a bênção do monge de São Bento e as felicitações do magro juiz e músico, e antes do casamento haviam trocado beijos, ávidos e frementes, no cinema e em casa, sentindo a ânsia e a febre, arrebatados no desejo cru. Por que então esse encabulamento, por que ficar ali sem voz e sem acção, como dois patetas, quando por fim a sós., marido e mulher na hora de se completarem e serem?

Ele queria lhe dizer, a seu amor: “nossa lua-de-mel vai durar a vida inteira”, mas apenas disse na intenção de desatar aquele nó de agonia e de silêncio:

- Enquanto você muda a roupa eu vou lá dentro…

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