segunda-feira, agosto 09, 2010


DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS

Episódio Nº 193




Não consultara dona Flor, por não querer incomodá-la com tal no nada, quando ela se consumia aflita junto da enferma, e, ao demais, por dever expulsar incontinenti a mal agradecida, não se dispondo a ouvir abuso ou desaforo de doméstica. Quando lhe dera ordens de varrer a casa, a presepeira saíra pelo corredor a debicar, a apelidá-lo de Doutor Purgante.

Sentiu-se dona Flor desconcertada; jamais lhe passara pela cabeça a ideia de mandar Sofia embora apesar dos desmazelos e dos modos bruscos.

Coitadinha…

Tinha-lhe dó e como despedi-la, sem uma explicação a dona Jacy, de quem a recebera? Ao mesmo tempo, como desconhecer carradas de razão ao doutor Teodoro? Não era possível ao marido, homem de respeito e posição, aturar certos calundus de ama, que ela, dona Flor, mulher e paciente, relevava.

- Coitadinha? – estranhou doutor Teodoro – Uma atrevida, indigna de sua bondade, meu amor… Às vezes, Flor, a pessoa querendo ser bondosa, acaba sendo tola…

Dona Jacy? Se alguém devia desculpas a alguém era dona Jacy a dona Flor, pela desfaçatez de pedir por um traste como aquele. Não contente de abusar da bondade da patroa, quis a dita pôr em ridículo o patrão.

Compreendeu dona Flor não ter o doutor enunciado o tema na intenção de discuti-lo; informava apenas como resolvera o assunto: havia um homem em casa, dono e senhor, pensou ela. Sorriu: “meu marido, meu senhor”. Fizera bem, tampouco admitiria qualquer falta de respeito a seu marido. “Doutor Purgante” onde já se viu tal desaforo?

Ao demais, sobre um ponto não havia discussão possível: a nova ama era um portento no serviço. Doutor Teodoro não a contratara a rogo de vizinha; exigira atestados com boas referências, e pelo telefone os controlou. Isso, sim, era ordem e eficácia.

Não apenas a exemplar limpeza, obra da empregada nova, também cada coisa em seu lugar, mas realmente em seu lugar definitivo, não hoje aqui amanhã acolá, não se sabendo nunca onde encontrar os objectos de uso mais imediato, dona flor numa atrapalhação durante as aulas.:

- Marilda, minha filha, você viu o livro de receitas? Sofia não sabe onde botou, deu fim.

- Com as mãos de molho, reclamando:

- Sofia, onde é que você pôs a batedeira? Meu Deus, nesta casa some tudo…

O doutor escolheu, com rara competência e gosto, para cada coisa seu local e deu ordens precisas à criada: no fim das aulas, após a limpeza da cozinha, queria cada peça em seu rincão marcado por ele com uma papeleta escrita a capricho em letra de imprensa: “faca de pão, cortador de ovos, pedra de ralar, pilão” e etc, e tal; não só os objectos da escola como os da casa: “rádio, vaso de flores, garrafas de licor, gaveta das camisas do doutor Teodoro, gaveta da roupa íntima da senhora.”

Meu Deus! – disse dona Flor ante tanta eficiência – E eu que pensava ter a casa em ordem… Era
mesmo uma bagunça, uma desarrumação. Teodoro, meu querido, você fez um milagre…

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