sábado, agosto 07, 2010


DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS

Episódio Nº 192



Sempre fora considerada e se considerara dona Flor boa dona de casa, ordeira e pontual, cuidadosa. Boa dona de casa e boa directora de sua escola de culinária, onde acumulava todos os cargos, contando apenas com a ajuda da empregada broca e esmorecida e a assistência amiga da pequena Marilda, curiosa de pratos e temperos. Nunca lhe ocorrera reclamação de aluna, incidente a toldar o sossego das aulas. A não ser, é claro, os acontecidos quando do primeiro esposo pois o finado, como se está farto de saber, não era de ter consideração por horário, por trabalho alheio ou por melindres de alfenim; seus deboches com alunas por mais de uma vez criaram dificuldades e problemas para dona Flor, dores de cabeça, quando não enfeites de duro corno.

Ah!, em verdade, ela, dona Flor, não possuía noção de regra e método, andava longe de ter ordem em casa e na escola e, em sua existência, medida e pauta, como devera! Foi-lhe necessário viver com doutor Teodoro para dar-se conta de como sua ordem era anarquia, seus cuidados tacanhos e insuficientes, de como ia tudo mais ou menos, ao deus-dará, a la vontê, sem lei e sem controlo.

Não decretou doutor Teodoro lei e controle de imediato e com severidade; nem sequer falou em tal. Sendo homem tranquilo e suspicaz, de educação cutuba, nada sabia impor e não impunha; no entanto tudo obtinha sem estardalhaço, sem que os demais se sentissem violentados; um fode-mansinho o nosso caro farmacêutico.

Era preciso ver-se a casa um mês e meio depois da lua-de-mel, que diferença! Também dona Flor fazia diferença, buscando adaptar-se a seu marido, seu senhor, caber justa e certa em sua medida exacta. Se nela a mudança era por dentro, mais subtil, menos visível, na casa fizera-se evidente, bastava olhar.

Começou pela empregada. Dona Flor a recebeu de ama apenas enviuvara, por insistência e conselho dos vizinhos: “desde quando viúva moça e séria pode permanecer sozinha numa casa, sem defesa contra gatuno?” Não foi feliz na escolha, admitindo, a rogo de dona Jacy, aquela Sofia de aparência obtusa, no fundo uma sabidória, a levar o trabalho na folga e no relaxamento, em total desleixo de quem se sente em garantia; não era dona Flor pessoa de despedir pessoa alguma, quanto mais recomendada pela vizinha e amiga. Mesmo descontente com a preguiçosa e seu serviço, ia dona Flor com ela se arranjando, com pena da infeliz; incapaz, é certo mas não ruim de coração.

Ora, logo no quinto dia após a volta de lua-de-mel nos ermos de Paripe, após aquela semana de terna convivência, saiu dona às pressas para o Rio Vermelho onde dona Lita sufocava em asma. À noite doutor Teodoro foi visitar a enferma e trazer consigo a esposa. Mas, encontrando-se a tia ainda muito opressa e sendo sexta-feira (não havia aulas aos sábados) decidiu dona Flor demorar-se para atender aos velhos. Voltara somente Domingo à tarde, quando cedeu a crise e a tia Lita retornou a seu jardim.

Menos de três dias demorara a ausência de dona Flor e nesse breve tempo se transformou a casa, parecendo outra. A começar pela criada, realmente outra. Em vez de Sofia, suja e pardavasca, com seu ar triste e idiota, assumira o posto uma escura Madalena, mulher de certa idade, asseada e forte. Se não fosse o moreno da pele, carregado, e a carapinha, dir-se-ia parenta do doutor, alta e disposta como ele, como ele cortês no trato e firme no trabalho.

Doutor Teodoro explicou, com sua voz segura mas gentil, ter sido obrigado a despedir Sofia: além de péssima empregada, não lhe obedecera, respondendo com um muxoxo de pouco caso e com resmungos insolentes às suas ordens categóricas para efectuar uma
limpeza séria n a casa
sempre mal varrida.

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