quarta-feira, agosto 18, 2010


DONA

FLOR

E SEUS

DOIS

MARIDOS



Episódio Nº 201




Quando do primeiro casamento da filha (se aquilo se podia chamar de casamento), tivera de suportar a cachaça e a pachouchada daqueles valdevinos, uma canalha, faces de depravação e de deboche: Jenner Augusto, Carlinhos Mascarenhas, Dorival Caymmi. Vez por outra um homem formado e de família se metia com tal caterva e logo era o pior de todos, como aquele doutor Walter da Silveira cujo rosto nédio dona Rozilda recorda com ódio. Ouvira em Nazareth elogios aos conhecimentos jurídicos do tal Silveira: sumidade nas leis e impoluto. Acreditasse quem quisesse, não ela, dona Rozilda, que o vira a soprar na gaita o passo do siri-boceta, o infame!

Tão antimusical se fizera, devido a essa corja, que reagira violenta à primeira notícia dos dotes do genro: “sujeito sem compostura, tocador de berimbau”.

Mais uma vez, certamente, a idiota da filha, sem tino e sem vergonha, ia se amarrar a algum malandro para sustentá-lo, carregá-lo às costas, financiando-lhe os vícios e as amantes com o suado dinheirinho da escola. Tanta raiva guardara de serenatas e canções, que nem o título de doutor, em torno do qual dona Norma, conhecedora de suas debilidades e preferências, fizera estardalhaço na carta onde lhe comunicara o noivado da viúva, nem mesmo aquele anel de grau a comoveu. Doutor e de proclamado saber, escrevera a vizinha, mas dona Rozilda não se entusiasmou:

- Mais um desses bêbados… De noite pelas ruas na farra e na descaração com o dinheiro da bestalhona… Vai-se ver, é também jogador. Quer é viver à tripa forra, ela no trabalho, ele na perdição.

Quanto ao título de doutor opunha-lhe reservas:

- Farmacêutico… Doutor de pé-quebrado…

Distinguia entre os diversos canudos de formatura, nem todos possuindo, a seu ver, a mesma classe e categoria:

- Doutor de verdade, de primeira é médico, é advogado, é engenheiro civil. Dentista e farmacêutico, agrónomo, veterinário, tudo isso é doutor de segunda, de meia tigela, é doutorzinho… Gente que não teve cabeça nem competência para estudar até ao fim…

Toda essa má vontade para com o futuro genro, ainda desconhecido pessoalmente e já tão criticado, vinha de sabê-lo músico amador. Só depois, na Bahia, ao constatar a boa situação financeira do farmacêutico, sócio de estabelecimento sólido como a Científica, na esquina da Rua Carlos Gomes com o Cabeça (só o ponto valia uma fortuna), sua respeitabilidade, as maneiras e as atitudes, o soberbo e vasto círculo de relações, apagou-se a falsa opinião inicial, deixando a sogra de confundir-lhe o erudito fagote com popular berimbau de capoeira e a orquestra de amadores com as serenatas ao clarão da lua.

Muito rápido subiu o genro em seu conceito. Não era o perfeito príncipe encantado um dia antevisto em Pedro Borges, o estudante paraense, com seus rios, ilhas e seringais, riqueza das mil e uma noites. Que mais pode desejar, porém, uma viúva pobre, aos trinta anos de idade? Dona Rozilda, satisfeita mais além de toda a expectativa, confessara a dona Norma:

- Com esse até eu casava… Um cidadão que se preza, e que modos! Dessa
vez, ela acertou.
Também já era tempo… Senhor de muita educação!

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