sábado, agosto 21, 2010


O Que Me Define...
Eu sou iraquiana.




Está sentada numa cadeira, ao lado de dois colegas, numa iniciativa, universidade de verão, em Aveiro, organizada pela Aliança das Civilizações, está no palco, à esquerda dos conferencistas, não sei o que sairá da boca daquela rapariga tão jovem, não sei da sua nacionalidade, não tento adivinhar, fala-se de identidade, ela ouve, ouve, mas mais do que isso: olha.

Tem uma postura recatada, nada tímida, apenas o recato de quem observa, o mundo a derreter-se à entrada dos seus olhos, o microfone pousado sem tremor no colo de uns jeans iguais aos meus, aos dela, aos nossos, os pés cruzados, quase descalços, de onde estou, vejo umas tiras finas, sandálias como as da minha irmã mais nova.

O cabelo e os olhos: eis o que me ocupa antes que se rompa a interrogação com a primeira palavra. Cabelo castanho caramelo, ondulado, caído nos ombros e ali descansado, escovado, a darem uma moldura à verdadeira boca daquela rapariga, os seus olhos: entradas e saídas de mundo, dois olhos de um castanho indizível, abertos, não os vi pestanejar, calmos, serenos, quietos, a ouvirem, a dizerem, a responderem, a darem por dito o que não precisa de explicação.

De repente uma voz fina, baixa, pedindo desculpa pela imperfeição do inglês: mão firme no microfone e os olhos a darem-nos uma chapada com a violência da sua suavidade. Depois de lições sobre identidade ouve-se assim: quando me perguntam o que és eu respondo que sou iraquiana. É isso que me define. Não me interessa se sou xiita, se sou sunita; eu sou iraquiana, pertenço a esse país tão aflito. Também sou muçulmana, sim, e escolho, fui eu que escolhi, não usar nada a tapar a minha cabeça, os meus cabelos, e quando me perguntam na rua por que não tapo a cabeça, se sou realmente crente, eu respondo apenas que isso é comigo e que a minha fé é um assunto a ser tratado entre mim e Deus.
O que me define, assim, de repente, portanto, é isto: eu sou uma jovem iraquiana. Antes deste curso, nunca tinha visto um judeu. Durante estes dias conheci aquele rapaz ali ao fundo, o Adam, de Israel, e tive a oportunidade de conversar muito com ele e de descobrir que somos iguais em tantas coisas e de gostar muito dele. Quando voltar à minha terra, vou falar do meu amigo judeu.

tags: identidade
(Isabel Moreira - www-pegada. blogs.sapo.pt)

É pena que esta jovem não seja representativa do comum da mulher iraquiana e, já agora, das mulheres muçulmanas. Seria pedir muito... mas só ouvi-la a ela é como uma janela de ar puro que se abre e nos refresca a alma fazendo esquecer as imagens de sangue e lágrimas dos atentados pela luta pelo poder entre facções religiosas no Iraque.

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