sexta-feira, agosto 20, 2010

DONA FLOR
E SEUS DOIS
MARIDOS

Episódio Nº 203


Por que então essas repentinas mudanças? Por que sair para o desperdício de um casarão trabalhoso e caro? Para que esses luxos além de suas posses? Só para fazer figura?

Dona Rozilda, em sua confusa alocução, falara em prestígio, em “fazer boa figura”. Era doutor Teodoro sensível ao argumento, cioso de prestígio e consideração, temendo a crítica da sociedade. Já dona Flor não ligava para tais coisas e lhe dissera – quando discutiram sobre a escola – não se medir o valor de um homem pela figuração, por suas aparências e, sim, pelo que ele é e vale.

Sendo assim, como mostrar-se contrariada, com queixas e reivindicações?

Doutor Teodoro escutou atento o relambório da sogra mas não quis debater o assunto:

- Não sabia, minha cara sogra, dessa disposição de minha querida esposa e não desejo discuti-la. Mas posso adiantar-lhe que tudo será resolvido a contento de Flor.

Deixando dona Rozilda envolta em optimismo, retirou-se macambúzio para a drogaria. Se a mudança de opinião de dona Flor surpreendera doutor Teodoro, sua atitude o desgostara. Por que não viera ela própria lhe falar, com lealdade e franqueza? Por que enviara dona Rozilda de porta-voz?

Não desejava o farmacêutico nenhuma dúvida, nenhum desentendimento por mais íntimo entre ele e a esposa. Dispunha a lhe dar quanto pudesse, a satisfazer seus desejos, mesmo quando lhe parecessem caprichos, dentro dos limites das suas posses e até com algum sacrifício. Mas exigia sinceridade, lisura, confiança. Por que terceiros. Por que intermediários entre eles, se eram marido e mulher? Doutor Teodoro, no fundo da farmácia, manuseando a espátula, a triturar substâncias, a pesar quantidades ínfimas na balança de precisão, sentia-se magoado e triste. Por que essa falta de confiança? Marido e mulher não devem ter segredos um para o outro, nem intermediários nas suas relações. Subnitrato de bismuto, aspirina, azul-de-metileno, noz-moscada, as quantidades precisas, nem um grão a mais ou a menos. Assim o casamento. Dispôs-se a por o assunto em pratos limpos quanto antes.

No quarto, à noite, a sós com a esposa, enquanto mudava a roupa resguardado pela cabeceira do leito de ferro, lhe disse:

- Minha querida desejava lhe pedir uma coisa…

Já se enfiara dona Flor sob os lençóis, esperando apenas o ósculo do marido para fechar os olhos e dormir:

- O que, Teodoro?

- Queria que você quando desejasse conversar alguma coisa comigo, me falasse você mesma, não mandasse ninguém em seu lugar… - a voz do doutor não revelava zanga, seu acento era mais sobre a melancolia.

Dona Flor ergueu o busto, surpresa. Apoiando-se no cotovelo, voltou-se para o marido a enfiar as calças do pijama:

- Que história é essa, quando eu já mandei…?

- Eu acho que marido e mulher devem ser francos um com o outro, não precisam de leva-e-traz…

- Teodoro, meu querido, por favor explique isso depressa, não estou entendendo nada…

Vestido em seu pijama de listas, ele veio para junto da cama, sentou-se:

- Se você quer mudar de casa por que não me falou pessoalmente?

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