quinta-feira, agosto 19, 2010


DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS


Episódio Nº 202


Educação finíssima: doutor Teodoro, cordial e respeitoso, só a tratava de “minha cara sogra” querendo saber a todo o momento se ela de nada necessitava. Trazia-lhe pastilhas para a tosse, xarope para o catarro crónico e lhe oferecera um guarda-chuva novo, ao vê-la queixar-se de ter perdido o seu – antigo do tempo de seu Gil – na confusão de desembarque, no porto.

Chegara dona Rozilda na intenção de assistir ao casamento, visita de poucos dias. Mas, ao reconhecer as qualidades do genro, deu-se conta das perspectivas de vida em companhia do casal, decidindo arranjar-se ali em definitivo, abandonando Nazareth das Farinhas, as obras pias do reverendo Walfrido Moraes, o clube, a igreja, a presidência do saboroso e cruel disse-que-disse municipal.

Sentia-se na pequena cidade, como já se constatou. Era alguém, influente personagem, xeretando à larga, impondo seus caprichos e maus humores à nora já no extremo da paciência e já sem esperanças em milagres de santo: Nossa Senhora da Aflição ficara cega e surda a seus rogos e promessas para libertar-se, restava-lhe apenas esperar a morte. A morte da sogra, entenda-se. Por vezes a boa Celeste punha-se a pensar no jubiloso acontecimento. Ah!, velório impacientemente aguardado! Seria a sentinela mais festiva da Nazareth, falar-se-ia da guarda e da encomendação do corpo da velha senhora em todo o Recôncavo, os ecos chegariam à capital. Dispunha-se Celeste a não olhar a despesas nem trabalho.

Dava-se bem em Nazareth, mas, com esse novo genro, preferia Salvador, e para ali ficar armou dona Rozilda seu plano de campanha. Fez-se adulona e insinuante, prestativa e bondosa, devota do farmacêutico. Doutor Teodoro, a princípio sensibilizou-se. Em conversa com seu amigo Rosalvo Medeiros, o representante de laboratórios, disse-lhe ter ganho com o casamento, não apenas a mais perfeita esposa, como também uma segunda mãe, sua sogra, aquela santa velhinha.

- Quem? – o próprio Rosalvo não acreditava em seus ouvidos – Quem é a santa velhinha? Dona Rozilda? – pôs-se a rir como dona Amélia no dia de noivado: ouvia-se cada uma… Dona Rozilda, uma santa criatura, só mesmo Teodoro com sua ingenuidade…

Mas, nem mesmo Teodoro se enganou por longo tempo: a ranhetice, o dom da intriga, a permanente irritação de dona Rozilda logo se impuseram, sobre seus melosos sorrisos e suas palavras cativante, começando o genro a perceber o porquê do riso incontido e gaiato de dona Amélia e de Rosalvo. Foi quando dona Rozilda veio lhe falar, muito maneira, dos inconvenientes da casa pequena, com tão poucos cómodos. Por que não alugar residência mais condigna com suas posses e relações? Mais ampla, com maior número de quartos?

Deu a entender, com habilidade, não estar dona Flor satisfeita com aquela casa de pouco conforto, cheia de lembranças ruins. Apenas, não querendo importunar o marido, silenciava seu desgosto.

Doutor Teodoro estranhou a sugestão perdulária da sogra e, mais ainda, o pretenso enfado da esposa. Não fora por acaso dona Flor a primeira a salientar as conveniências e vantagens de ali permanecerem: o aluguel barato, o mesmo de há oito anos, e a situação da casa, a dois passos da drogaria, além de ser endereço conhecido da Escola de Culinária Sabor e Arte, tendo sua cozinha adaptada às aulas, com fogão e gás e fogão a lenha? Para que casa maior se eram apenas dois? Para que buscar trabalho e despesa, se ali podiam caber alegres, ela, o marido e seu desejo
de felicidade? Assim argumentara dona Flor ainda noiva, modesta e sensata.

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