terça-feira, setembro 14, 2010


DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS


Episódio Nº 224


Ainda desculpando-se, na mão o papel recuperado, regressou o importuno à drogaria. Mirtes balançava a cabeça de cabelos soltos e platinum-blonde (na última moda): ou Inês era doida de se amarrar ou algo sucedera. Certamente a professora cansara-se das falcatruas do gigolô e lhe dera o fora, se não tivesse sido ele a partir para outra. Fosse como fosse, dona Flor se dedicara ao tipo oposto, ao homem sério e respeitável, ao ver de Mirtes inútil e impossível, o tipo vomitório: o tabacudo nem reparara, passara por ela sem sequer a ver. Também, antes assim… O idiota nem para marido lhe servia, capaz de ser daqueles cornos sem classe e sem fair play, que vingam a honra com tiros e facadas, obsoletos e melodramáticos.

Não voltou à escola, não lhe parecendo dar satisfações à professora. Ao demais era biqueira, de pouca comida (para manter-se magra, em forma, com seu tipo de vamp).

Foi bater com os dentes mais adiante e soube então da morte do fogoso garanhão de Inês e do novo casamento da viúva com aquele tipo cego. Cego, sim, senhora, e da pior cegueira, a de quem fecha os olhos para a vida, incapaz de enxergar a luz do sol e uns cabelos cor de prata.

Veio dona Flor a saber os detalhes daquela farsa através de sua amiga Enaide, por seu lado amiga de Inês Vasques dos Santos desde os tempos de estudante, e, por isso, confidente dos equívocos baianos de Mirtes Rocha de Araújo, que resumia sua decepção numa frase quase literária:

- É a minha aventura com um defunto… faltava em meu carne.

Numa frase e numa queixa: para conhecer doutor Teodoro, “aquela insipidez de homem, aquele paspalhão!”, queimara os dedos no fogão de dona Flor, na aula da frigideira de aratu. Que ridículo!

Para dona Magnólia, em sua janela a janelar, oh! janeleira mais intrépida!, o facto de ser sério e responsável não retirava ao doutor o interesse, dando-lhe mesmo certo picante, certo quê. Em sua semeadura de chifres, lavradora tão eficiente quanto a pedante carioca, a rapariga do secreta da polícia aprendera a variar os seus xodós, na cor, no aspecto e na idade, inimiga de qualquer monotonia. Enquanto Mirtes, sectária, só pensava em rapazes sem juízo, Magnólia, a antidogmática, não se reduzia a uma fórmula, a um figurino. Hoje um moreno, amanhã um louro, depois um escurinho, seguindo-se a inquieta adolescência de um cinquentão grisalho. Por que repetir pratos com o mesmo tempero, de uma só cozinha? Dona Magnólia era eclética.

Quatro vezes por dia, ao menos, ao ir e vir de casa para a farmácia e vice-versa, o “soberbo quarentão” (segundo a bola de cristal de dona Dinorá) passava sob a sua janela, onde, em robe decotado, dona Magnólia plantara uns seios insolentes, tão grandes e redondos quanto oferecidos. Os rapazes do Ginásio Ipiranga, instalado em rua próxima, mudaram seus itinerários, para unânimes desfilarem em continência sob a janela onde cresciam aqueles seios capazes de amamentarem a todos eles. Dona Magnólia enternecia-se: tão lindos com suas fardas de colegiais, alçando-se os mais pequeninos nas pontas dos pés para a alegria de ver, o sonho de apalpar. “Deixá-los penar para aprenderem”, discorria, pedagógica, dona Magnólia, dando um jeito para exibir ainda melhor seios e busto (que o mais não lhe permitiam infelizmente expor na moldura da janela).

Pensavam os garotos do colégio, gemiam artesãos da redondeza, caixeiros transportando compras, jovens como Roque, o das molduras, velhos como Alfredo às voltas com seus santos. Vinha gente de longe, da Sé, da Jiquitaia, de Itapagipe, do Tororó, do Matatu, em peregrinação, apenas para ver aquelas faladas maravilhas.

Site Meter