sexta-feira, outubro 22, 2010

DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS

Episódio Nº 250


Por duas ou três vezes naquele fim de tarde, Vadinho lhe repetira com sua voz matreira, num sorriso de motejo:

- Vamos ver quem pode mais, minha santa… Tu, com teu doutor e teu orgulho, e eu…

- Tu, com quê?

- Eu, com meu amor…

Era um desafio e dona Flor, forte da revelação que ele lhe fizera pouco antes (não a tomaria a pulso, só por bem, com o consentimento dela), se prontificou a aceitá-lo, disposta a correr o risco, possuindo para tanto carácter íntegro e ânimo valente. Quem atravessou, meu arrogante, o inferno da viuvez sem se queimar, não tem medo de caretas nem de arrogantes:

- Coloco minha honestidade acima de tudo…

Vadinho começara a rir:

- Tu está falando igualzinho o doutor, meu bem. Toda estrambótica, toda monarca, parece um professor…

Foi a vez dela rir:

- Sou professora, já o era antes de o conhecer a ele e conhecer você. E, por sinal uma professora muito cotada…

- Professora de quitutes e não de presunção…

-Tu acha mesmo que fiquei presunçosa? Que mudei?


- Tu nunca vai mudar, meu bem. Tua única presunção é tua honra. Mas eu já comi ela uma vez, vou comer outra… Por mais professora que você seja, meu bem, na vadiação é minha aluna. E eu vim para acabar de te formar…


Nesse pagode, com risos e pilhérias, e com ternura, ficaram a conversar até quase a hora da janta. Dona Flor cheia de vento e jactância: jamais Vadinho dobraria seu capricho de mulher honesta, rompendo sua virtude de casada.

Quando da outra vez ela era uma adolescente coibida, não soubera regular as emoções do primeiro amor e lá se fora sua honra na viração de Itapoã. Hoje é mulher vivida na dor e na alegria, conhece o preço e a significação de cada coisa. Vadinho vai ficar cansado de esperar. Mas ele não acreditava naquela invencível resistência:

- Tu vai me dar quando menos tu espere… Como da outra vez… E tu sabe por quê?

- Por quê?

Arrogante e insolente ele explicou:

- Porque tu gosta de mim, e no fundo, lá bem no fundo onde nem tu mesmo enxerga, tu tá doidinha por me dar…

Vadinho pleno de astúcia, de presepadas. Dona Flor firme em sua decência fundamental:

- Desta vez tu vai perder… O tempo e a cantiga…

Foi um fim de tarde sereno e cheio de encanto. Começara, no entanto, difícil e desagradável.

Quando, após as aulas vespertinas, dona Flor saiu do banho e ante o espelho foi-se perfumar e pentear, seminua, apenas de porta seios e
calçola, um ruído de aprovação veio de qualquer parte
do aposento.

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