quarta-feira, outubro 27, 2010

DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS


Episódio Nº 254



- Nunca vou enganar ele, Vadinho, ele não merece…

Vadinho respirava de leve, um sorriso inocente de criança. Dona Flor tomou-lhe o peito, mata de pêlos loiros, doce tepidez. Ele disse e era uma afirmação, não mais uma pergunta:

- Tu gosta mais de mim, meu bem. Tenho certeza.

- Ele só merece que eu lhe dê amor…

A mão de dona Flor na cicatriz da navalhada: gostava de sentir a lembrança da rixa anterior a seu conhecimento, o talho largo e fundo, briga da adolescência, logo após a fuga do colégio, Vadinho mais fanfarrão e capadócio. Tão bonito!

A doçura da tarde penetrava no quarto em sombra e luz numa sonolência de brisa.

- Meu bem - disse ele – eu tinha uma saudade tão danada de ti, tão grande, que pesava no peito como uma tonelada de terra. Faz tempo que eu queria vir, desde que tu me chamou pela primeira vez. Mas tu me tinhas prendido com o mokan que Didi te deu e só agora eu pude me livrar e vir… Porque só agora tu me chamou deveras, com vontade, precisou mesmo de mim…

- Também tive saudade o tempo todo… Não adiantou tu ser ruim, Vadinho, quase morri quando tu morreu…

Dona Flor sentia uma coisa dentro de si, vontade de rir ou de chorar indiferentemente, mas em surdina, bem baixinho. Tão suave a carícia da mão de Vadinho no seu braço, em seu cangote, em seu braço, em sua face, e a cabeça repousando em seu colo, buscando posição mais cómoda, pesada e quente em suas coxas, dando-lhe um calor e uma dormência. Cabeça linda de cabelos loiros. Dona Flor foi baixando o rosto pouco a pouco, Vadinho suspendera o seu, de súbito lhe tomou da boca e não a pulso.

Arrancou-se dona Flor do beijo e dos braços onde já se via desfalecente.

- Meu Deus! Ai Meu Deus…

Não era um desafio à toa. Não podia permitir-se um só minuto de abandono, um só descuido, se não quisesse que o tinhoso a engabelasse.

Assobiando, todo pachola, levantou-se Vadinho com um sorriso de debique e foi bulir nas gavetas do armário. De puro curioso ou, quem sabe, para deixar dona Flor recolher sem constrangimento, pelo quarto, os restos da sua força de vontade, de sua proclamada decisão.

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