sexta-feira, novembro 19, 2010

DONA


FLOR


E SEUS


DOIS


MARIDOS


Episódio Nº 274


O fogo a queimá-la não fora aceso pelas démarches bancárias, por hipoteca, recibos e escritura. A compra da casa ainda mais a prendia ao doutor, sem dúvida, mais forte seu afecto. O que a levava, porém, a exigir prazer e posse extemporâneos, era a fogueira erguida por Vadinho, suas carícias, sua mão de afago, sua boca de beijos, a descaração ao crepúsculo, roxas marcas no pescoço.

Agora, quando o doutor crescia sobre ela, envolto no lençol, ao cerrar os olhos, dona Flor já não enxergava um pássaro gigantesco e, sim, Vadinho finalmente a possui-la, a fazê-la gemer e suspirar. Uma confusa dos diabos.

Guardava-se dona Flor de ponderar sobre mais essa encrenca, já tinha muito com que se consumir. Quanto ao doutor, dispunha-se seriamente a programar um extra para cada quinze dias.

Na noite daquela quarta-feira da briga com Vadinho, dona Flor se sentia perplexa e agitada, bem precisada de acalmar os nervos. Pensava em Vadinho sumido, talvez para sempre. Era a volta à existência calma, o fim dos dias tensos, quando se vira entre dois maridos, ambos com direito ao seu amor e ela sem saber como agir, chegando em certos momentos a misturá-los e a confundi-los, na maior das atrapalhações. Quem sabe, agora, poderia retornar ao tranquilo ramerrão de antes do regresso de Vadinho, quando seu corpo só se despertava às quartas e aos sábados?

Assim, naquela quarta-feira à noite, escondendo sob os lençóis as marcas dos beijos de Vadinho em seu pescoço, e trancando no coração o medo da sua ausência, dona Flor acolheu seu esposo Teodoro, com ele iniciando o discreto e doce ritual. Apenas, porém, o doutor crescera sobre ela, qual confortável guarda-chuva, o riso de Vadinho ressoou aos ouvidos de dona Flor e a fez estremecer.

Primeiro foi a alegria de vê-lo ali, equilibrado nas grades do leito, não tinha partido para sempre como dona Flor temera. Depois a alegria fez-se raiva, ao enxergar seu riso de deboche, aquele falso ar de piedade no rosto de zombaria e pagodeira.

Estava a divertir-se o coisa ruim, suspendendo a ponta do lençol para melhor apreciar e escarnecer. Dona Flor ouvia sua voz dentro do peito, seu riso libertino, de troça e de debique:

- É isso que você chama de vadiação? É esse o doutor Sabetudo, o mestre das putas, o rei da sacanagem? Essa porqueira, meu bem? Nunca vi coisa mais insípida… se eu fosse tu, pedia a ele, em vez disso, um frasco de xarope: cura tosse e é mais gostoso… Porque o que ele está fazendo, meu bem, é a coisa mais triste que eu já vi…

Ela ainda quis dizer “pois mas eu gosto muito” mas não pôde. O doutor chegara ao fim e ela se perdera nos risos de Vadinho, morta de vergonha (e de desejo).

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