sexta-feira, dezembro 17, 2010

DONA

FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS


Episódio Nº 296


- Aqui, não… - pediu dona Flor, gastando os últimos resquícios de pudor e de respeito ao segundo esposo – Vamos para a sala…

Na sala, as portas do céu se abriram, irrompeu o canto de aleluia. “Onde já se viu vadiar de camisola?”, dona Flor tão despida quanto ele, um da nudez do outro se vestindo e completando. Lança de fogo a trespassou, pela segunda vez Vadinho lhe comeu a honra, primeiro a de donzela, agora a de casada (outras mais tivesse e ele as comeria). Lá se foram pelos prados da noite até à fímbria da manhã.

Nunca se dera assim: tão solta, tão fogosa, tão de gula acesa, tão em delírio. Ah! Vadinho, se sentias fome e sede, que dizer de mim, mantida em regime magro e insonso, sem sal e sem açúcar, casta esposa de marido respeitador e sóbrio? Que me importam meu conceito na rua e na cidade, meu nome digno? Minha honra de casada, que me importa? Toma de tudo isso em tua boca ardida, de cebola crua, queima em teu fogo minha decência inata, rasga com tuas esporas meu pudor antigo, sou tua cadela, tua égua, tua puta.

Foram e vieram, acorreram e acudiram, e nem bem de volta, já outra vez partiam, de chegada e de regresso. Tantas saudades e tantas metas a cumprir, todas alcançadas, algumas repetidas.

Insolente e bem amada, porca e linda, a voz de Vadinho a lhe dizer tanta indecência, a lhe recordar doçuras de outro tempo.

- Tu te lembras da primeira vez que te senti? Os ranchos vinham pela praça, tu se encostou em mim…

- Tu é que me abraçou e me passou a mão…

Ele lhe passava a mão e a reconhecia:

- Teu rabo de sereia, tua barriga cor de tacho, teus peitos de abacate. Tu cresceu, Flor, está mais opulenta, tu és gostosa da cabeça aos pés. Vou te dizer: já colhi muita xoxota em minha vida, uma boa safra: nenhuma como a peladinha, é a melhor de todas, te juro, minha Flor…

- Que gosto tem? – dona Flor despudorada e cínica.

- Tem gosto de mel e pimenta, e de gengibre…

Falava e dona Flor em ais se desfazia: Vadinho mais maluco, mais tirano, fogo e viração. Vadinho, não te vás embora, nunca mais. Se partires outra vez morrerei de pena. Mesmo que eu te peça e rogue, não vás embora, mesmo que eu te mande e ordene, não me deixes…

Só serei feliz se não estiveres, se partires, eu bem sei: contigo não há felicidade, só desonra e sofrimento. Mas sem ti, por mais feliz, não sei viver, não vivo, ai, jamais me deixes.

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