DONA FLOR
E SEUS DOIS
MARIDOS
MARIDOS
Episódio Nº 298
Testa larga, de intelectual, fronte de insignes pensamentos, homem tão bobo! Dona flor correu-lhe a mão curiosa pela testa, riu de mansinho, nuca tão mansa dona Flor e tão dengosa:
- Pois me deve, sim senhor, ontem me faltou…
- Não seja injusta, quem faltou…
- Se sou eu quem deve então se pague, que eu não gosto de dever – oculta o rosto nas mãos, rindo toda cheia de malícia, dona Flor.
Que outra coisa deseja o nobre farmacêutico? Saiu até do sério:
- Pois vou cobrar com juros…
Homem metódico, cumpridor de leis e ritos, veio doutor Teodoro colocar-se na posição habitual e tomou do lençol para cobrir o amor com o recato e com o respeito que lhe são devidos, entre esposos. Mas não lhe deu tempo dona Flor: de improviso atirou com o lençol fora da cama, com o recato, e o doutor se viu nos braços dela. Nunca mais ele esqueceu essa manhã de chuva, esse Domingo bento, esse dia santo e feriado, esse extra sem igual, extra e super para tudo dizer e definir com exactidão.
Depois dona Flor se enrolou como um novelo, nos lábios um sorriso, no embalo da chuva adormeceu, de um sono bom dormiu, tão sossegada e satisfeita que só vendo.
Nada mudara, nenhuma diferença, um Domingo como todos os demais, e dona Flor a mesma pessoa de sempre. Igualzinha. Sofrera as penas do inferno, certa que ia ser um fim do mundo: a gente tem cada surpresa nesta vida…
Aliás, estando de plantão na drogaria a Drogaria Científica isso tornava esse Domingo um tanto diferente, pois o doutor ia atender a numerosa clientela – uma só farmácia aberta para tão grande. Assim, quando dona Flor saiu do quarto, já não encontrou o marido. Teve, apesar disso, manhã das mais movimentadas.
Primeiro, Marilda com seu noivado em crise; e dona Maria do Carmo, quase em faniquito: prosseguir cantando ou casar? Na vizinhança, as mulheres opinavam praticamente unânimes, com excepção de dona Gisa. Mas a americana era conhecida por suas ideias estrambólicas, boas talvez para os Estados Unidos, mas esdrúxulas, quando não perigosas para o Brasil. Não só defendia o divórcio como chegara ao absurdo de declarar em alto e bom som, numa discussão com dona Jacy e dona Enaide, que a virgindade não passava de coisa obsoleta e mesmo prejudicial à saúde: os hospícios, segundo a gringa, estão cheios de donzelas. Imagine-se!
As demais repetiam com moral e convicção, ser o casamento o único objectivo legítimo da mulher, destinada por Deus a cuidar da sua casa, a zelar por seu marido, a procriar filhos e a criá-los, contente e concorde. À frente desse bravo exército, dona Maria do Carmo, no desejo de ver a filha estabelecida, como ela própria dizia:
- É preciso estabelecer essa menina em seu lar. O rádio não oferece garantias e é um perigo.
Um perigo? A roda se exaltava: não um, porém múltiplos perigos cercam as cantoras, as artistas, raça, aliás, já de si um tanto equívoca, de conduta suspeita, na opinião de dona Dinorá, pessoa, como sabemos, de moral severa e rígida, cada vez mais intransigente no combate à sem-vergonhice e à libertinagem.
- Pois me deve, sim senhor, ontem me faltou…
- Não seja injusta, quem faltou…
- Se sou eu quem deve então se pague, que eu não gosto de dever – oculta o rosto nas mãos, rindo toda cheia de malícia, dona Flor.
Que outra coisa deseja o nobre farmacêutico? Saiu até do sério:
- Pois vou cobrar com juros…
Homem metódico, cumpridor de leis e ritos, veio doutor Teodoro colocar-se na posição habitual e tomou do lençol para cobrir o amor com o recato e com o respeito que lhe são devidos, entre esposos. Mas não lhe deu tempo dona Flor: de improviso atirou com o lençol fora da cama, com o recato, e o doutor se viu nos braços dela. Nunca mais ele esqueceu essa manhã de chuva, esse Domingo bento, esse dia santo e feriado, esse extra sem igual, extra e super para tudo dizer e definir com exactidão.
Depois dona Flor se enrolou como um novelo, nos lábios um sorriso, no embalo da chuva adormeceu, de um sono bom dormiu, tão sossegada e satisfeita que só vendo.
Nada mudara, nenhuma diferença, um Domingo como todos os demais, e dona Flor a mesma pessoa de sempre. Igualzinha. Sofrera as penas do inferno, certa que ia ser um fim do mundo: a gente tem cada surpresa nesta vida…
Aliás, estando de plantão na drogaria a Drogaria Científica isso tornava esse Domingo um tanto diferente, pois o doutor ia atender a numerosa clientela – uma só farmácia aberta para tão grande. Assim, quando dona Flor saiu do quarto, já não encontrou o marido. Teve, apesar disso, manhã das mais movimentadas.
Primeiro, Marilda com seu noivado em crise; e dona Maria do Carmo, quase em faniquito: prosseguir cantando ou casar? Na vizinhança, as mulheres opinavam praticamente unânimes, com excepção de dona Gisa. Mas a americana era conhecida por suas ideias estrambólicas, boas talvez para os Estados Unidos, mas esdrúxulas, quando não perigosas para o Brasil. Não só defendia o divórcio como chegara ao absurdo de declarar em alto e bom som, numa discussão com dona Jacy e dona Enaide, que a virgindade não passava de coisa obsoleta e mesmo prejudicial à saúde: os hospícios, segundo a gringa, estão cheios de donzelas. Imagine-se!
As demais repetiam com moral e convicção, ser o casamento o único objectivo legítimo da mulher, destinada por Deus a cuidar da sua casa, a zelar por seu marido, a procriar filhos e a criá-los, contente e concorde. À frente desse bravo exército, dona Maria do Carmo, no desejo de ver a filha estabelecida, como ela própria dizia:
- É preciso estabelecer essa menina em seu lar. O rádio não oferece garantias e é um perigo.
Um perigo? A roda se exaltava: não um, porém múltiplos perigos cercam as cantoras, as artistas, raça, aliás, já de si um tanto equívoca, de conduta suspeita, na opinião de dona Dinorá, pessoa, como sabemos, de moral severa e rígida, cada vez mais intransigente no combate à sem-vergonhice e à libertinagem.
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