terça-feira, janeiro 11, 2011

TEREZA
BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA

Episódio Nº 1

Já que pergunta com tanta delicadeza, eu lhe digo, seu moço: desgraça só carece começar. Começou não quem a segure, se alastra, se desenvolve, produto barato de vasto consumo.

Alegria, ao contrário, meu liga, é planta sestrosa, de manhã difícil, de sombra pequena, de pouco durar, não se dando bem nem ao sol, nem à chuva, nem ao vento geral, exigindo trato diário e terreno adubado, nem seco nem húmido, cultivo caro, para gente rica, montada em dinheiro. Alegria se conserva em champanhe: cachaça só consola desgraça, quando consola. Desgraça é pé de pau resistente: muda enfiada no chão não demanda cuidado, cresce sozinha, frondosa, em todo caminho se encontra.

Em terreno de pobre, compadre, desgraça dá de abastança, não se vê outra planta. Se o cujo não tem a pele curtida e o lombo calejado, calos por fora e por dentro, não adianta se pegar com os encantados, não há ebó que dê jeito. Lhe digo mais uma coisa, meu chapa, e não é para me gabar nem para louvar a força dos pés rapados, mas por ser a pura verdade: só mesmo o povo pobre possui raça e peito para arcar com tanta desgraça e seguir vivendo. Tendo dito e não sendo contestado, agora pergunto eu: que lhe interessa, seu mano, saber das mal-aventuras de Tereza Batista? Por acaso pode remediar acontecidos passados?

Tereza carregou fardo penoso, poucos machos aguentariam com o peso; ela aguentou e foi em frente, ninguém a viu se queixar, pedindo piedade; se houve quem – rara vez – a ajudasse, assim agiu por dever de amizade, jamais por frouxidão da moça atrevida; onde estivesse afugentava a tristeza. Da desgraça fez pouco caso, meu irmão, para Tereza só a alegria tinha valor.

Quer saber se Tereza era de ferro, de aço blindado o coração? Pela cor formosa da pele, era de cobre, não de ferro; o coração de manteiga, melhor dizendo, de mel; o doutor, dono da usina – e quem melhor a conheceu? – dois nomes lhe oferecera, por nenhum outro a solicitando; Tereza Mel de Engenho e Tereza Favo de Mel., Foi toda a herança que lhe deixou.

Na vida de Tereza a desgraça floresceu cedo, seu mano, e eu queria saber quantas valentes resistiriam ao que ela passou e sobreviveu em casa do capitão.

Que capitão? Pois o capitão Justo, ou seja o finado Justiniano Duarte da Rosa. Capitão de que arma? As armas dele eram a taça de couro cru, o punha, a pistola alemã, a chicana, a ruindade; patente de rico, de dono de terra; não tão rico nem de tanta terra que desse para dragonas de coronel, embora bastante para não permanecer reles paisano, para por divisas no nome.

Terras de coronel – léguas e léguas de campo, de verde canavial – possuía Emiliano, o mais velho dos Guedes, o dono da usina; no entanto doutor formado, com anel e canudo, se bem não exercesse, não queria outro título. São os tempos modernos, cunhado, mas não se apoquente: mudam os títulos – coronel é doutor, capataz é gerente, fazenda é empresa – o resto não muda, riqueza é riqueza, pobreza é pobreza, com fartum de desgraça.

Posso lhe afiançar, irmãozinho: para começo de vida o de Tereza Batista foi começo e tanto; as penas que em menina penou bem poucos no inferno penaram; órfã de pai e mãe, sozinha no mundo – sozinha contra Deus e o Diabo, dela nem mesmo Deus teve lástima. Pois a danada da menina assim sozinha atravessou o pior mau pedaço, o mais ruim dos ruins e saiu sã e salva do outro lado, um riso na boca. Um riso na boca em verdade não sei, digo de ouvir dizer. Se o prezado quiser devassar os particulares do caso, dos começos de Tereza Batista, embarque no trem da Leste Brasileira para as bandas do sertão, por lá sucedeu, quem assistiu que lhe conte com todos os ipicilones.

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