TEREZA
BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA
Episódio Nº 8
Viu-se Flori em Recife com os cenários, o guarda-roupa, um violão, quatro figurantes incluindo a própria Alma Castro, e sem um tostão furado, promovido a empresário; rápido, alcançara o ápice da carreira teatral. Demonstrando de quanto era capaz, ainda conseguiu o novo administrador-geral apresentar o Grupo em Maceió, Penedo e Aracajú.
Em Aracajú, para permitir o embarque dos demais para o Rio, Flori deixou-se ficar como refém: do Rio de Janeiro, Alma Castro mandaria a importância necessária para liberar o actual administrador e ex-noivo e o material, um e outro retidos por Marosi, dono do Hotel. No Rio, sobravam-lhe relações de amizade e cama, a começar pelo fiel comendador Santos Ferreira, importante e generoso membro da comunidade luso-brasileira e da fraternidade dos “velhinhos de Alma Castro”, todos eles corocas (velhos, caducos), ricos, pródigos, ilustres e impotentes. Não mandou bulhufas (nada).
Dias depois, descobrindo o bom Marosi que a permanência do administrador – em quarto de casal e comendo por três – só fazia lhe aumentar o prejuízo, deu o dinheiro por perdido e o assunto por encerrado e até se propôs a ajudá-lo nas despesas de viagem, mas Flori, conquistado pela cidade amável e acolhedora, preferiu ficar por ali. Manteve-se nas fronteiras do espectáculo para aproveitar o material e a experiência, fez carreira: empregado, gerente, sócio, proprietário de cabarés, A Torre Eiffel, o Miramar, o La Garçonne, o Ouro Fino, até chegar ao Paris Alegre.
Tereza ensaiou e dançou vestida com trajes ainda da companhia: turbante, saiote, bata. Boa parte do corpo à mostra, mas para quê? No piano, melancólico, Flori renega a corte litero-artística, por vezes jurídica, quase sempre odontológica, aos pés de Tereza Batista. Mas, além de sabido, era pertinaz e aprendera a ser paciente: sendo ele o dono do cabaré e o empregador da estrela, quem em melhor posição?
Todos apaixonados, não menos que os demais, Lulu Santos; com muletas e tudo, o rábula tinha fama de mulherengo retado.
Todos em torno de Tereza, cada qual mais caído. O poeta Saraiva de paixão publicamente exposta e proclamada, em copiosa produção de versos líricos. Tereza foi inspiração para alguns de seus melhores poemas, todo o ciclo de “A Moça de Cobre”: tendo sido ele que assim a designou; o cirurgião dentista Jamil Najar, filho de árabe, sangue quente, propõe-se fazê-la feliz enquanto lhe mantém a boca aberta e lhe prepara o dente de ouro; o pintor a fitá-la com os fundos olhos azuis, calado, na brecha. Calado a desenhá-la nas tabuletas coloridas. Essas aguarelas traçadas no precário papel dos cartazes foram os primeiros retratos de Tereza Batista feitos por Jenner Augusto; muitos outros pintou, de memória quase todos, se bem vários anos depois, na Bahia, houvesse ela consentido em posar no atelier do rio Vermelho para aquele quadro premiado onde Tereza se alça em ouro e cobre, mulher completa, na força da idade e da beleza, vestida porém com os mesmos trajes do tempo do Paris Alegre: turbante de baiana, curta bata de cambraia sobre os seios soltos, o colorido saiote de babados, as pernas nuas, o reluzente coxame.
De uns e de outros ria-se Tereza, gentil e penhorada por se ver em ronda de mimos e madrigais, ela, sempre em busca de afecto verdadeiro, necessitada de calor humano. Mas não se dá fácil, talvez porque as únicas profissões que até então exercera tenham sido as de criada para todo o serviço (não seria melhor dizer escrava?), de prostituta e de amásia, por deitada na cama com homens diversos, por medo primeiro, para ganhar a vida depois.
Em Aracajú, para permitir o embarque dos demais para o Rio, Flori deixou-se ficar como refém: do Rio de Janeiro, Alma Castro mandaria a importância necessária para liberar o actual administrador e ex-noivo e o material, um e outro retidos por Marosi, dono do Hotel. No Rio, sobravam-lhe relações de amizade e cama, a começar pelo fiel comendador Santos Ferreira, importante e generoso membro da comunidade luso-brasileira e da fraternidade dos “velhinhos de Alma Castro”, todos eles corocas (velhos, caducos), ricos, pródigos, ilustres e impotentes. Não mandou bulhufas (nada).
Dias depois, descobrindo o bom Marosi que a permanência do administrador – em quarto de casal e comendo por três – só fazia lhe aumentar o prejuízo, deu o dinheiro por perdido e o assunto por encerrado e até se propôs a ajudá-lo nas despesas de viagem, mas Flori, conquistado pela cidade amável e acolhedora, preferiu ficar por ali. Manteve-se nas fronteiras do espectáculo para aproveitar o material e a experiência, fez carreira: empregado, gerente, sócio, proprietário de cabarés, A Torre Eiffel, o Miramar, o La Garçonne, o Ouro Fino, até chegar ao Paris Alegre.
Tereza ensaiou e dançou vestida com trajes ainda da companhia: turbante, saiote, bata. Boa parte do corpo à mostra, mas para quê? No piano, melancólico, Flori renega a corte litero-artística, por vezes jurídica, quase sempre odontológica, aos pés de Tereza Batista. Mas, além de sabido, era pertinaz e aprendera a ser paciente: sendo ele o dono do cabaré e o empregador da estrela, quem em melhor posição?
Todos apaixonados, não menos que os demais, Lulu Santos; com muletas e tudo, o rábula tinha fama de mulherengo retado.
Todos em torno de Tereza, cada qual mais caído. O poeta Saraiva de paixão publicamente exposta e proclamada, em copiosa produção de versos líricos. Tereza foi inspiração para alguns de seus melhores poemas, todo o ciclo de “A Moça de Cobre”: tendo sido ele que assim a designou; o cirurgião dentista Jamil Najar, filho de árabe, sangue quente, propõe-se fazê-la feliz enquanto lhe mantém a boca aberta e lhe prepara o dente de ouro; o pintor a fitá-la com os fundos olhos azuis, calado, na brecha. Calado a desenhá-la nas tabuletas coloridas. Essas aguarelas traçadas no precário papel dos cartazes foram os primeiros retratos de Tereza Batista feitos por Jenner Augusto; muitos outros pintou, de memória quase todos, se bem vários anos depois, na Bahia, houvesse ela consentido em posar no atelier do rio Vermelho para aquele quadro premiado onde Tereza se alça em ouro e cobre, mulher completa, na força da idade e da beleza, vestida porém com os mesmos trajes do tempo do Paris Alegre: turbante de baiana, curta bata de cambraia sobre os seios soltos, o colorido saiote de babados, as pernas nuas, o reluzente coxame.
De uns e de outros ria-se Tereza, gentil e penhorada por se ver em ronda de mimos e madrigais, ela, sempre em busca de afecto verdadeiro, necessitada de calor humano. Mas não se dá fácil, talvez porque as únicas profissões que até então exercera tenham sido as de criada para todo o serviço (não seria melhor dizer escrava?), de prostituta e de amásia, por deitada na cama com homens diversos, por medo primeiro, para ganhar a vida depois.
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