segunda-feira, janeiro 31, 2011

TEREZA

BATISTA

CANSADA

DE

GUERRA
Episódio Nº 18


Nos pratos fundos o mungunzá de colher, a mistura do milho e do coco, da canela e do cravo. O rábula esquece por um instante a brilhante peça de acusação contra Libório das Neves. Ah! se fosse num Tribunal de Júri!

- Divino, simplesmente divino, esse mungunzá, Adriana. Se fosse no júri…

Senhores jurados, há uns seis meses passados, a inconsolável viúva, além de viúva órfã de filho perdido no Sul, desse último recebeu uma carta e logo depois um telegrama; do marido sabia encontrar-se em paz num círculo superior do Paraíso, notícias concretas e consoladoras, trazidas pelo doutor Miguelinho, entidade do além a frequentar o Círculo Espírita Paz e Harmonia, onde se realizava curas espantosas; por esse lado tudo ia bem.

Quem ia mal era o rapaz: andara dando cabeçadas no Rio, se encalacrara com dívidas e ameaça de cadeia se não pagasse em prazo curto de dias vários contos de reis; apelava para a mãe fazendo-o da maneira mais cruel – se ela não enviasse o dinheiro, ele acabaria com a vida, um tiro no peito.

É claro que não se daria tiro nenhum, vulgar chantagista, mas a pobre mãe, analfabeta, sofrida, com esse único e adorado filho, ficou feita doida, onde iria buscar os oito contos que o rapaz lhe pedia?

O vizinho de sítio a quem solicitara o favor de ler a carta e o telegrama ouvira falar de Libório, conseguiu o endereço; a viúva caiu nas unhas do agiota, que lhe emprestou oito mil cruzeiros para receber quinze seis meses depois – façam atenção aos juros, escorchantes, nunca vistos, Senhores do Conselho de Sentença!

O próprio Libório preparou o documento: se Joana não pagasse na data fixada perderia direito ao sítio, cujo valor é pelo menos cem contos, daí para mais senhores jurados!

A viúva assinou a rogo – assinando por ela Joel Reis, serviçal de Libório – por não saber ler nem escrever, incapaz de rabiscar o próprio nome. Dois prepostos do pústula serviram de testemunhas. Joana tomou o empréstimo, tranquila: o compadre devia pagar-lhe dez contos daí a quatro meses. Os cinco restantes ela os economizaria no correr dos seis meses, pois mantinha íntegra a freguesia do tempo do marido.

Sucedeu quase tudo como ela previra: o compadre pagara na data marcada, as economias ultrapassaram os cinco mil cruzeiros, ela procurou Libório para resgatar a dívida. Sabe você o que lhe disse? Adivinhe, se é capaz, Tereza, adivinhem os honrados senhores do Conselho de Jurados!

- O que foi?

- Que ela lhe devia oitenta mil cruzeiros, oitenta contos, em vez de oito.

- Mas como?

Fora ele próprio a redigir o documento e muito a propósito só escreveu a quantia de débito em números: Cr$ 8.000. Apenas ela saíra, o sórdido acrescentara um zero na cifra. Com a mesma caneta, a mesma tinta, quase na mesma hora. Onde a pobre infeliz vai arranjar oitenta mil cruzeiros, me diga? Onde Senhores Jurados? Libório requereu à Justiça que o sítio vá à praça para ser vendido em hasta pública, certamente ele o arrebatará por quatro vinténs.

Já pensou, Tereza o que vai ser dessa mulher que trabalhou a vida toda naquela chácara e de repente é jogada fora do seu pedaço de terra e fica reduzida a pedir esmola? Já pensou?

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