sábado, fevereiro 05, 2011

TEREZA

BATISTA

CANSADA

DE

GUERRA

Episódio Nº 23




Voltaram a andar e Caetano Gunzá, patrão da barcaça Ventania, lhe contou quanto conseguira apurar. Januário comprara um peixe, azeite-de-dendê, limão, pimenta malagueta e de cheiro, coentro, enfim, os condimentos todos; cozinheiro de mão cheia naquele dia caprichou na moqueca – Caetano sabia por ter comido um pouco, quando, passadas as nove, viu que ela e o compadre não vinham e a fome apertou.

Pouco depois das sete, deixando a panela em brando calor de brasas, Januário foi em busca de Tereza, dizendo que em meia hora estaria de volta, Caetano não o viu mais. De começo não se alarmou, imaginando tivesse ido o casal a algum passeio ou à sala de dança, sendo Januário amigo de um arrasta-pé. Como disse, às nove fez um prato, comeu mas não tanto quanto quisera, pois a essa hora já se sentia apreensivo: abandonando prato e garfo, saiu a procurá-lo, mas só obteve notícias bem adiante, perto de uma sorveteria. Uns rapazes lhe contaram que a polícia prendera um arruaceiro (perigosíssimo segundo revelou um dos tiras) aliás tinha sido necessário juntar para mais de dez agentes e guardas para conseguir sujeitá-lo, o fulano era mesmo perigoso, jogador de capoeira, quebrara uns três ou quatro policiais. Um cara enorme, com jeito de marinheiro. Não podia haver dúvidas sobre a identidade do preso. Os secretas estavam com raiva, desde a noite da briga.

- Já andei de um lado para o outro, fui parar na central da polícia, estive em duas delegacias, ninguém dá conta dele.

Ah! Janu, pensar que desejei te esquecer, cobrir de cinzas a brasa acendida, apagar as labaredas que ardem no meu peito!

Nunca te esquecerei, mesmo quando a barcaça Ventania cruzar de volta a barra do mar, contigo ao leme ou junto da vela, nunca te esquecerei. Se não tomares de minha mão, tomarei eu da tua tão grande e tão leve a tocar em meu lábio. Senão me beijares, meus lábios buscarão tua ardida boca, o sal do teu peito; ai, mesmo que não me queiras.


8

Por volta das duas da madrugada, finalmente, foi servida a moqueca na popa da barcaça – moqueca de se lamber os beiços; Lulu Santos lambia as espinhas do peixe, preferindo servir-se da cabeça, a parte mais saborosa, a seu ver.

- é por isso que o doutor tem tanto tutano na cachola – considerou mestre Caetano Gunzá, entendido em verdades científicas, - Quem come cabeça de peixe, fica inteligente demais, é coisa sabida e provada.

Naquelas poucas e corridas horas, o patrão da Ventania tornara-se admirador incondicional do rábula. Foram acordá-lo, tirá-lo da cama; Lulu habitava na colina de Santo António, modesta casa ajardinada.

- Sei onde fica a casa do doutor Lulu - gabou-se o chofer; em verdade não tinha por que se gabar, toda a Aracaju sabia o endereço do provisionado.

Voz feminina de cansaço e resignação, respondera à buzinada do automóvel de praça, às palmas de mestre Gunzá; apesar da hora tardia, quando eles disseram tratar-se de assunto urgente, de livrar alguém da cadeia, a voz fez-se cordial:

- Já vai. Não demora.

Realmente, pouco depois, debruçando-se da janela, Lulu quis saber.

- Quem está aí, o que deseja?

- Sou eu doutor Lulu, Tereza Batista – dizia doutor em consideração à esposa, cuja sombra protectora se projectava por trás do vulto do rábula.

Site Meter