segunda-feira, fevereiro 07, 2011

TEREZA

BATISTA


CANSADA


DE


GUERRA
Episódio Nº 24



- Desculpe lhe incomodar, mas estou aqui com o mestre da barcaça Ventania; o companheiro dele – como lhe explicar tratar-se do gigante de tão decisiva actuação na briga do cabaré? – creio que o senhor conhece…

- Não é aquele que bateu nos guardas e no secreta no Paris Alegre na outra noite? – Tereza cheia de dedos e Lulu bem do seu, falando do cabaré.

- É, sim senhor.

- Esperem aí, que já vou.

Minutos depois junta-se a eles na rua; percebia-se atrás do jardim o vulto da mulher fechando a porta, a voz conformada recomendando: “Faça atenção ao sereno, Lulu”. Entra no carro, diz ao chofer: toque em frente, Tião. Tereza explica toda a história. Caetano é de pouco falar.

- Eu disse a Januário: compadre, bote sentido, secreta é pior do que cobra, só se vinga na traição. Não fez caso, ele é assim mesmo, enfrenta tudo de peito aberto.

Lulu boceja, ainda sonolento.

- Não adianta fazer a ronda das delegacias. O melhor é ir logo por cima, ao doutor Manuel Ribeiro, chefe da polícia; é meu amigo, um homem de bem.

Traça-lhe perfil de elogios: mestre de Direito, homem dos livros, de vasta cultura e valente pra burro, com ele ninguém tira prosa, mas não tolera injustiças, perseguições sem motivo, a não ser, evidentemente, a adversários políticos – não havendo nesses casos, porém, nada de pessoal; se persegue os oposicionistas, ele o faz no exercício da sua função de responsável pela ordem pública, cumprindo obrigação administrativa, imperativo do cargo. Sem falar no filho que escreve, aquele talento em flor.

Apesar do adiantado da hora, na sala de visitas da residência do chefe, as luzes estão acesas e há movimento. Um soldado da Polícia Militar, com saudades do tempo em que era cangaceiro, guarda a entrada da casa, encostado à parede, a la vonté. Mas quando o automóvel estanca em brusca freada, num abrir e fechar de olhos se perfila, a mão no revólver. Reconhecendo Lulu santos, abandona a prontidão, volta à postura anterior, relaxado e risonho;

- É vosmicê doutor Lulu? Quer falar com o homem? Pode entrar.

Tereza e mestre Caetano aguardam no carro; o chofer, solidário, tranquiliza:

- Fique descansada, dona, que doutor Lulu solta seu marido. Tereza riu baixinho sem contestar. O chofer prossegue a contar feitos de Lulu. Homem bom está aí, larga tudo para atender um necessitado, sem falar na inteligência. Ah! as defesas no júri, não havia promotor que pudesse com ele, nem em Sergipe nem nos Estados vizinhos, pois já fora defender réus em Alagoas e na Bahia, e não só no interior, também na capital.
Freguês de júri, o motorista descreve com emocionantes detalhes o julgamento do cangaceiro Mãozinha, um dos últimos a cruzar o sertão, de rifle e cartucheira, vindo de Alagoas com não sei quantas mortes e tendo ali em Sergipe praticado outras tantas, sendo Lulu Santos designado pelo juiz para defendê-lo ex-ofício, ou seja, de graça, por não possuir o jagunço um centavo de seu. Ah! quem não presenciou esse júri de cabo a rabo – quarenta e sete horas de réplicas e tréplicas – não sabe o que é um advogado de miolo no crânio.
Ouçam como ele começou a sustentação da defesa: foi batuta. Começou apontando o juiz com o dedo, depois o promotor, os jurados um a um, e no fim pôs o dedo no peito apontando para ele mesmo, enquanto isso dizendo com outras palavras lá dele, cada qual mais trancham: quem cometeu essas mortes que o promotor atribui a Mãozinha foi o senhor doutor juiz, foi o senhor, seu promotor, foram os dignos membros do Conselho de Justiça, fui eu, fomos nós todos, a sociedade constituída. Nunca vi coisa mais linda em minha vida, ainda fico arrepiado quando conto, imagine na hora.

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