sábado, fevereiro 12, 2011

TEREZA

BATISTA

CANSADA

DE

GUERRA

Episódio Nº 29


Dias afanosos de Tereza Batista, divididos entre Joana das Folhas, Flori Pachola e o Paris Alegre, e mestre Januário Gereba, Gereba na carícia da brisa, no arrulho dos pombos, no marulho das ondas, no bem-querer de Tereza. A corte de admiradores, o tempo de dentista, a insistência de Veneranda, complementavam a berlinda.

Por volta das dez da manhã, Tereza desembarca no portão da chácara, em parada improvisada especialmente para ela pelo chofer da marinete entupida de povo. A essa hora, Joana já realizara grande parte da lida diária – o rapaz sai na primeira marinete com os cestos de verdura para visitar a freguesia nas ruas residenciais. Caboucando a terra desde antes do sol nascer, cuidando da horta, colhendo, plantando, estrumando, Joana chega do eito, vai lavar as mãos.

Ei-las sentadas à mesa na sala de jantar com os lápis, as canetas, as penas, o tinteiro, o livro, os cadernos, decididas e obstinadas. Aquele trabalho não era de todo desconhecido para Tereza; em Estância, na rua quieta, de raros passantes, começara ensinando as primeiras letras aos filhos de Lula e Nina, juntando-se logo aos dois molecotes da casa os da vizinhança, chegando a somar sete alunos, acocorados em torno dela numa roda de risos e ralhos quase maternos.

Não tinha muito o que ensinar naquele tempo de mansas alegrias durante o qual Tereza Batista sobretudo aprendeu; o que sabe hoje de leituras e escritas deve-os àqueles ano – que, por bons e felizes, lhe pesam tanto nos ombros quanto os de antes e os de depois, por ruins e sofridos.

Sem negar uma referência à escola de dona Mercedes Lima, professora de roça, também ela de pouco saber e muita dedicação. Na aula diária das dez às onze da manhã (excepto quando o doutor, estando na cidade, permanecia em casa), lição e piquenique, Tereza dava às crianças cartilha, tabuada, caligrafia e farta merenda de bolacha, pão e requeijão, doces caseiros, frutas, tabletes de chocolate e gasosa.

Molecotes, quase todos argutos, uns azougues, como o fora ela própria na classe de dona Mercedes. Outros mais rudes, de cabeça dura, nenhum entretanto se comparando à Joana das Folhas. Não que seja pouco inteligente, obtusa; ao contrário, muito esperta.

Quando Lulu Santos lhe expusera o plano de batalha ela o compreendeu de imediato. Tardou um pouco a adoptá-lo; por seu gosto, por ser honrada, preferia pagar ao salafrário os oito contos de réis do empréstimo e os juros escorchantes, porém combinados, mas o rábula não concordou, explicando ser tudo ou nada. Para pagar o débito real teria Joana de reconhecer pelo menos em parte a validez do documento assinado a rogo, denunciando ao mesmo tempo a adulteração das cifras. Como provar tal adulteração? Não havia maneira, infelizmente.

O caminho a seguir, o única válido, era negar a assinatura a rogo, desconhecer o documento, acusar Libório de havê-lo falsificado em todas as letras, julgando-a analfabeta, desamparada de todos, abandonada no sítio. Nunca tomara um tostão emprestado, nada devia a ninguém. Sabia ler, escrever e assinar o nome, estava pronto a prová-lo, sapecando ali na vista do juiz seu jamegão no papel. Ele, Lulu, só queria ver a cara do Libório de merda.

Um dos dois procedimentos, escolhesse: reconhecendo o documento, o sítio seria penhorado, levado à praça, entregue a Libório de mão beijada – não temos como provar a alteração das cifras – restando à Joana das Folhas trabalhar de serva para o próprio Libório na terra da qual fora dona ou sair tirando esmolas nas ruas de Aracaju. Declarando o documento uma falsificação total, livrava o sítio de qualquer ameaça e se livrava ao mesmo tempo de qualquer dívida, o pústula não veria um só tostão, solução ideal.

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