sábado, fevereiro 19, 2011

TEREZA

BATISTA

CANSADA

DE

GUERRA

Episódio Nº 35


Só quero ver a cara de Libório, dissera Lulu Santos a Tereza Batista, na memorável noite em casa da velha Adriana quando concertaram o plano de luta. Não só viu-lhe a cara desfazendo-se em suor frio, ouviu-lhe também a voz nasal num grito de agonia: sentiu-se Lulu pago de todo o trabalho tomado por ele próprio, por Tereza, por Joana das Folhas.

- Protesto! Protesto! Fui traído, é um complô contra mim, estão-me roubando – grita Libório perdido, em desespero.

O juiz não chegara a suspender a sessão. Ainda de pé, estende o dedo ameaçador:

- Uma palavra mais e mando autuá-lo e prendê-lo por desacato à justiça. Está suspensa a sessão.

Enfiou o calhorda língua e protesto no rabo; o bacharelo Silo Melo, cara de rato, ar de palerma, ainda sem entender nem metade do que se passara na audiência, arrasta seu cliente para fora da sala. Os presentes vão saindo, o escrivão sobraçando o grande livro negro onde a justiça fora inscrita. Por fim, a sós, o juiz a despir a toga e o rábula a ajeitar as muletas; amigos de longa data, o juiz em confiança, reduzindo a voz a um sussurro quase inaudível, inquiriu o rábula sobre o detalhe a preocupá-lo – todo o resto lhe parecendo de cristalina clareza:

- Seu Lulu, me diga, quem foi que ensinou a preta a assinar o nome?

Lulu Santos mediu o juiz com um olhar de repentina suspeita:

- Quem? Dona Carmelita Mendonça, ela o disse aqui, há pouco sob juramento. Mulher mais direita, respeitada em todo o estado de Sergipe, professora de nós todos, sua inclusivé, impoluta, palavra irrefutável.

- E quem está refutando? Se eu quisesse fazê-lo, tê-lo-ia feito durante a audiência. Minha professora, é verdade. Sua, também, você era o aluno predilecto por ser o mais inteligente e…

- …aleijado… - riu Lulu.

- Pois é. Ouça Lulu, agora que a sentença está lavrada: dona Carmelita nunca viu aquela negra antes de entrar nesta sala. Veio porque você lhe contou a verdade e a convenceu, e fez muito bem em vir: esse Libório é asqueroso e merece a lição, se bem não creio que se emende, é pau que nasceu torto. Mas seu Lulu, me diga quem foi o génio a conseguir que aquelas mãos – você reparou nas mãos da sua constituinte, Lulu? – escrevessem sem vacilação letras legíveis?

O rábula, sorrindo, voltou a fitar o juiz, os olhos livres de qualquer receio ou desconfiança:

- Se eu lhe disser que foi uma fada, não estarei longe da verdade. Não fosse você um respeitável juiz, eu lhe convidaria a ir comigo na sexta-feira próxima ao cabaré Paris Alegre, na zona e lá lhe apresentaria a rapariga…

- Rapariga? Mulher-dama?

- Se chama Tereza Batista, beleza peregrina, meu caro. Melhor ainda de briga do que de escrita.

Disse e abandonou a sala, deixando o juiz a cogitar sobre quão surpreendente é a vida, por vezes absurda: aquele processo, embora não passando de uma teia de embustes, desembocara na verdade e na justiça. Rápido, montado nas muletas, Lulu Santos vai ao encontro do bacharel Silo Melo, que o aguarda, derrotado e humilde, em busca de acordo. Fora da sala, o rábula desata numa gaitada festiva: ah! a cara de Libório desfeita em merda.

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