TEREZA
BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA
Episódio Nº 38
Valera a pena a trabalheira, a conversa com dona Carmelita, a nota de emoção posta na voz; a breve viagem a Laranjeiras; as ameaças feitas a Mão de Gato, a passagem de segunda classe no trem de Leste e a minguada propina – escolha entre cair fora ou apodrecer no xilindró.
Valera a pena. Tudo isso e ainda por cima o jamegão cinco vezes traçado diante do juiz em imaculado papel, sem um só borrão, sem vacilações, por Joana das Folhas, a assinatura clara, insofismável, de Joana França, letra quase bonita, meritíssimo.
16
Sem um gesto, estátua de pedra talhada sobre a ponte carunchosa, Tereza Batista segue os preparativos de partida da barcaça Ventania: as velas enfunadas, batidas de brisa, a âncora suspensa, os mestres Gunzá e Gereba na popa e na proa, no velame e no leme. Há pouco, Januário trepou mastro acima, artista de circo, urubu-rei, o grande voador, pássaro-gigante-do-mar.
Ai, Janu, meu homem, meu marido, meu amor, minha vida, minha morte: o coração de Tereza se aperta, estremece o corpo esbelto, estátua de dolorida matéria.
Na véspera, sentados no Café e Bar Egipto, à espera do resultado da audiência na acção executiva impetrada (requerida) por Libório Neves contra Joana das Folhas, Januário lhe dissera: amanhã, com a primeira maré. Prendendo a mão de Tereza na sua grande mão, acrescentou: um dia voltarei.
Nem uma palavra mais, apenas os lábios de Tereza de repente descorados e frios, gélida a brisa morna da tarde, um sol de cinzas, um presságio de morte, as mãos apertadas, olhos de distância, a certeza da ausência. Da rua surgem a negra e o rábula, esfuziante na alegria da vitória: vamos comemorar!
Mundo contraditório, alegria e tristeza, tudo misturado. Na casa de Joana, a mesa posta, as garrafas abertas, Lulu faz um brinde à Tereza, deseja-lhe saúde e felicidade. Ai, felicidade! Ai, desgraça de vida! Nas areias finais, ela se acolhe ao peito do homem para quem nasceu e tarde encontrou: posse com gosto amargo de separação, violenta e irada; ela o morde e arranha, ele a aperta contra o peito como se quisesse entranhar-se em sua pele. Nas areias finais da noite de amor, os soluços estrangulados, é proibido chorar: veio uma onda e os cobriu, veio o mar e o levou. Adeus marinheiro.
Salta da barcaça Januário, está na ponte junto a Tereza e a toma nos braços. O último beijo reacende os lábios frios; o amor dos marujos dura o tempo da maré, na maré a Ventania veleja no rumo do sul, em busca do cais da Bahia. Tanto quisera Tereza perguntar como é a vida por lá; perguntar para quê? Velas enfunadas, âncora suspensa, afasta-se a barcaça da ponte, ao leme mestre Caetano Gunzá. Línguas sedentas, dentes famintos, bocas em desespero, nelas a distância se queima em beijo de fogo, fundem-se a vida e a morte – Tereza marca o lábio de Januário com o dente de ouro.
Desfaz-se o beijo de fogo, no lábio de Januário, uma gota de sangue, a lembrança de Tereza Batista no canto da boca, tatuada a dente de ouro: rio e mar, mar e rio, um dia voltarei, nem que chova canivetes e o mar se transforme em deserto, virei nas patas dos caranguejos andando para trás, virei em meio ao temporal, náufrago em busca de tempo perdido, de teu seio de tenra pedra, teu ventre de moringa, tua concha de nácar, as algas de cobre, a ostra de bronze, a estrela de ouro, rio e mar, mar e rio, águas de adeus, ondas de nunca mais.
(clique 2x sobre as fotografias que vão junto aos textos)
Valera a pena. Tudo isso e ainda por cima o jamegão cinco vezes traçado diante do juiz em imaculado papel, sem um só borrão, sem vacilações, por Joana das Folhas, a assinatura clara, insofismável, de Joana França, letra quase bonita, meritíssimo.
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Sem um gesto, estátua de pedra talhada sobre a ponte carunchosa, Tereza Batista segue os preparativos de partida da barcaça Ventania: as velas enfunadas, batidas de brisa, a âncora suspensa, os mestres Gunzá e Gereba na popa e na proa, no velame e no leme. Há pouco, Januário trepou mastro acima, artista de circo, urubu-rei, o grande voador, pássaro-gigante-do-mar.
Ai, Janu, meu homem, meu marido, meu amor, minha vida, minha morte: o coração de Tereza se aperta, estremece o corpo esbelto, estátua de dolorida matéria.
Na véspera, sentados no Café e Bar Egipto, à espera do resultado da audiência na acção executiva impetrada (requerida) por Libório Neves contra Joana das Folhas, Januário lhe dissera: amanhã, com a primeira maré. Prendendo a mão de Tereza na sua grande mão, acrescentou: um dia voltarei.
Nem uma palavra mais, apenas os lábios de Tereza de repente descorados e frios, gélida a brisa morna da tarde, um sol de cinzas, um presságio de morte, as mãos apertadas, olhos de distância, a certeza da ausência. Da rua surgem a negra e o rábula, esfuziante na alegria da vitória: vamos comemorar!
Mundo contraditório, alegria e tristeza, tudo misturado. Na casa de Joana, a mesa posta, as garrafas abertas, Lulu faz um brinde à Tereza, deseja-lhe saúde e felicidade. Ai, felicidade! Ai, desgraça de vida! Nas areias finais, ela se acolhe ao peito do homem para quem nasceu e tarde encontrou: posse com gosto amargo de separação, violenta e irada; ela o morde e arranha, ele a aperta contra o peito como se quisesse entranhar-se em sua pele. Nas areias finais da noite de amor, os soluços estrangulados, é proibido chorar: veio uma onda e os cobriu, veio o mar e o levou. Adeus marinheiro.
Salta da barcaça Januário, está na ponte junto a Tereza e a toma nos braços. O último beijo reacende os lábios frios; o amor dos marujos dura o tempo da maré, na maré a Ventania veleja no rumo do sul, em busca do cais da Bahia. Tanto quisera Tereza perguntar como é a vida por lá; perguntar para quê? Velas enfunadas, âncora suspensa, afasta-se a barcaça da ponte, ao leme mestre Caetano Gunzá. Línguas sedentas, dentes famintos, bocas em desespero, nelas a distância se queima em beijo de fogo, fundem-se a vida e a morte – Tereza marca o lábio de Januário com o dente de ouro.
Desfaz-se o beijo de fogo, no lábio de Januário, uma gota de sangue, a lembrança de Tereza Batista no canto da boca, tatuada a dente de ouro: rio e mar, mar e rio, um dia voltarei, nem que chova canivetes e o mar se transforme em deserto, virei nas patas dos caranguejos andando para trás, virei em meio ao temporal, náufrago em busca de tempo perdido, de teu seio de tenra pedra, teu ventre de moringa, tua concha de nácar, as algas de cobre, a ostra de bronze, a estrela de ouro, rio e mar, mar e rio, águas de adeus, ondas de nunca mais.
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