segunda-feira, março 21, 2011

TEREZA
BATISTA
CANSADA

DE
GUERRA


Episódio Nº 60


O meritíssimo doutor Eustáquio Fialho Gomes Neto, juiz de direito, nas horas vagas poeta Fialho Neto, com sonetos publicados em jornais e revistas da Bahia – ainda estudante obtivera, com “Vergel de Sonhos” menção honrosa em concurso da revista Fon-Fon, do Rio de Janeiro – figura, como se vê, exponencial da intelectualidade citadina, defendia surpreendente tese, a sério e com argumentos: em sua opinião Justino Duarte da Rosa se inflamara de amor verdadeiro e profundo pela menor Dóris Curvelo, não apenas verdadeiro e profundo como também duradouro. Amor na mais lata acepção do termo, amor com as alegrias do Paraíso e as penas do Inferno.

- O senhor tem uma concepção das mais extraordinárias sobre o amor, não há dúvida… - para Marcos Lemos, guarda livros de usina e igualmente dado às musas, o juiz apenas se divertia às custas dos amigos, um galhofeiro.

- Doutor Eustáquio gosta dos paradoxos… - contemporizava o promotor público, doutor Epaminondas Trigo, balofo, descuidado de roupa, a barba por fazer, cinco filhos a criar, o sexto na barriga da mãe, trinta anos incompletos. Pertencia ao restrito círculo da fina-flor da cultura local, menos por bacharel em Direito do que por charadista emérito. Uma nulidade na promotoria; na decifração de um lologrifo aquela competência. Não se atrevia a refutar a opinião do juiz seu superior hierárquico.

- Você é um cínico… - ria o quarto membro do grupo, Aírton Amorim, colector, míope, cabelo à escovinha, leitor de Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão, íntimo do juiz – Amor é um sentimento nobre… o mais nobre.

- E daí?

- O capitão Justo e os sentimentos nobres são incompatíveis…

- Além de injusto com o nosso caro capitão, você é um pífio psicólogo. Amor, amor de verdade, com factos vou-lhe provar com factos…

Não apenas a elite intelectual, a cidade inteira preocupara-se em explicar noivado, casamento e outras acções do capitão, realmente insólitas. Dias antes de vencer-se a hipoteca da casa, ele a resgatara, aliviando a viúva e a filha de ameaça maior: perder o imóvel comprado pelo doutor com tanto sacrifício.

- Tamanha largueza, tal munificência, não é suficiente prova de amor? – O meritíssimo argumentava com factos concretos.

E o enxoval de Dóris? Quem financiara sedas, linhos, cambraias, rendas e babados? Quem pagara as costureiras? Por acaso dona Brígida com a pensão do Estado? Tudo saíra do bolso do capitão. Esse mesmo capitão habitualmente mão fechada, somítico, de súbito, gastador, mão-aberta, pagando sem discutir.

Dona Brígida voltou a ter crédito nas lojas, triunfante sobre os comerciantes curvados em salamaleques, os mesmos calhordas que pouco antes a perseguiam na cobrança das contas.

Senão era amor, o que seria? Como explicar gastos, liberalidades, gentilezas – sim, gentilezas – do capitão, a não ser por amor? Por que cargas de água, perguntava o juiz estendendo o dedo, haveria ele de casar senão estivesse apaixonado? Que lhe trazia Dóris, além da carcaça magra? Bens? Não tinha onde cair morta. O nome honrado do pai, sem dúvida, mas que utilidade teria para Justiniano Duarte da Rosa o nome, a honra, a memória do doutor Ubaldo Curvelo? Só amor ardente e cego…

- Principalmente cego… – interrompia Aírton Amorim, gozador.

Site Meter