quinta-feira, março 24, 2011

TEREZA

BATISTA

CANSADA

DE

GUERRA

Episódio Nº 63


A víbora peçonhenta tivera o merecido, bom exemplo para as demais. Agora, caríssimas amigas, zelosas comadres, fiquem todas sabendo e atrevam-se, se têm coragem, agora é assim: bulir com Dóris ou com dona Brígida corre perigo de vida. Faça-se de besta quem quiser, receberá o troco de imediato. Passou uma tarde eufórica, ouviu ao menos dez versões do acontecido, à noite porém retornaram as sombras obscuras, o medo.

Aquele noivado era delicado cristal, de inestimável valor, de matéria fragilíssima. Preocupada com o genro, com a sua natureza encoberta e esquiva, preocupada sobretudo com Dóris a consumir-se na espera. Fúria, destempero, ânsia, pressa, desinteresse por tudo mais, onde a tímida menina do colégio de freiras?

Sempre fora de pouco apetite, agora nem beliscava a comida, olheiras negras, costas curvadas, ainda mais magra, ossos e pele. Faltando menos de um mês para o casamento, apareceu com febre, tosse renitente. Dona Brígida chamou o doutor David. Após demorado exame, o ouvido nas costas do doente, batidas nas costelas com os nós dos dedos, “diga trinta e três”, o médico aconselhou a ida à capital para exames de laboratório, talvez radiografias. O ideal seria transferir o casamento até Dóris se fortalecer. “Está muito fraca, fraca demais, e os exames são indispensáveis” concluiu.

Dona Brígida sentiu o mundo vacilar.

- Ela está doente do peito doutor?

- Creio que não. Mas ficará se continuar assim. Alimentação, repouso, os exames, e adiem o casamento por uns meses.

Refez-se dona Brígida, Rainha – Mãe, mulher forte. Velhas mezinhas debelaram a febre, a tosse reduziu-se a pigarro, o adiamento nem chegou a ser assunto de discussão, os exames ficaram para a ida obrigatória à capital na viagem de núpcias. Não se falou mais nisso. Fragilíssimo cristal, delicada matéria, inestimável noivado, dona Brígida o protegeu e preservou engolindo sapos e cobras, tanto medo, tanto.


12

Majestosa no porte altivo, majestosa nas sedas farfalhantes, de vestido longo e no chapéu com flores artificiais, no leque a abanar-se, majestosa no dever cumprido, dona Brígida resplandecia no dia do casamento, afinal o porto de abrigo, o definitivo ancoradouro.

Terminadas para sempre as ameaças de misérias, já não eram mascaradas mendigas. Cumprira o seu dever de mãe e recebia os parabéns com um sorriso condescendente.

Dóris, no vestido de noiva, de arrebiques mil, modelo tirado de uma revista do Rio, o capitão de terno azul de casimira novinho em folha, os convivas nas roupas domingueiras, celebrou-se o mais falado casamento de Cajazeiras do Norte.

Na Matriz, a cerimónia religiosa, com lágrimas maternas e sermão do padre Cirilo; o acto civil em casa da noiva, com primoroso discurso do juiz Eustáquio Gomes Fialho Neto, poeta Fialho Neto em pompas de imagens sobre o amor, “sentimento sublime que transfigura a tempestade em bonança, remove montanhas e ilumina as trevas” e por aí fora, inspiradíssimo.

Toda a cidade compareceu à Praça da Matriz, inclusivé dona Ponciana de Azevedo, refeita do susto, disposta a novas lides, respeitados, é claro, o capitão e sua família – “noiva linda igual à Dóris nunca se viu, acredite, Brígida, querida amiga”.

Eufórica, porém digna, dona Brígida aceita a louvação das comadres.

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