quarta-feira, março 23, 2011

TEREZA

BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA
Episódio Nº 62

Durante o curto noivado, em várias ocasiões esteve na iminência de “dar uma lição a algum tabacudo” e a duras penas se conteve. Quando saía a passeio em companhia de Dóris e dona Brígida, a caminho do cinema ou da igreja, e alguém os fitava com manifesta curiosidade, o primeiro ímpeto do capitão era explodir. Só perdeu a cabeça uma vez quando um casal, não contente com o olhar trocou comentários em voz baixa. “Nunca me viu, filho da puta?”, gritou e partiu para a agressão. Não houvesse marido e mulher dado nas pernas e o fuzuê seria feito. Dona Brígida suplicava: “Calma capitão”. Dóris calada, imperturbável ao braço do noivo.

Toda a curiosidade, o debate, as opiniões, os olhares de espanto, as visitas intempestivas das comadres nas horas e na sala de noivado, as piadas e as frases de espírito, tudo isso cessou de vez e de supetão. Numa das suas escapadas nocturnas, com o objectivo de enfiar debaixo da porta do juiz carta anónima referente à conduta da meritíssima esposa na capital e à da amásia ali mesmo, a vitoriosa Ponciana de Azevedo foi abordada por Chico Meia-Sola, malfeitor às ordens do capitão, cobrador de dívidas atrasadas que lhe exibiu um punhal e. de leve, com a ponta aguda a pinicou.

Dona Ponciana mal pôde chegar a casa de nervos, de nervos sem exemplo, manteve-se trancada uma semana, sem botar o pé na rua. A história se espalhou, crescendo em facadas, a partir de então a paz desceu sobre a cidade.

Assim transcorreram os três meses de noivado. Dona Brígida tentava estabelecer laços de confiança e amizade com o futuro genro sem encontrar a necessária receptividade. Cidadão de pouca prosa, Justiniano Duarte da Rosa, durante a visita quotidiana, após o jantar, reduzia o diálogo ao essencial: assuntos do casamento, acertos indispensáveis. Fora disso permaneciam os noivos na sala, sentados no sofá, em silêncio. Dona Brígida puxava conversa, perdia o tempo e o latim. Uns grunhidos do capitão, Dóris nem isso.

Em silêncio, à espera. À espera que dona Brígida fosse até à cozinha ou à sala de jantar a pretexto de um cafezinho passado na hora, em busca de doce de banana ou de jaca, de manga ou de caju. Apenas viam-lhe as costas, atracavam-se os noivos aos beijos, boca na boca, mãos atarefadas. Três meses longos de passar, dona Brígida não sabia para onde voltar-se, o que fazer. Dóris não viera, insolente, criticá-la por demorar-se na sala a vigiá-los, por não lhes permitir liberdade de maior, não eram noivos, afinal?

A pessoa emprenha, pare, amamenta, cria, educa uma filha com o maior desvelo, na moral e na santa religião, pensa conhecê-la, saber tudo sobre ela, e não sabe nada, absolutamente nada, constata dona Brígida, melancólica, expulsa para a janela, de frente para a curiosidade da rua, de costas para os noivos.

Tempo repartido entre as alegrias das rendas, dos bordados, das camisolas, das compras e arrumações, do fabrico de doces e licores, do preparo das festas e as preocupações resultantes de um noivado sôfrego, do receio de uma explosão do futuro genro, useiro e vezeiro na violência – dona Brígida tinha horror à violência e durante aquele tempo tumultuado não se sentiu inteiramente à vontade um só minuto.

Não obstante, ao saber do susto quase mortal de dona Ponciana de Azevedo, a ponta da peixeira entre as costelas, não conseguiu impedir um sentimento de orgulho, exaltante sensação de poder
. (clik na imagem).

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