terça-feira, março 22, 2011

TEREZA
BATISTA

CANSADA

DE

GUERRA

Episódio Nº 61


Só amor ardente e cego explicava noivado, casamento, gastos, gentilezas, na opinião do meritíssimo doutor Estáquio, opinião jurídica e poética, digna de atenção, embora pouco compartida na cidade.

Foi um tempo rico de debates, de pareceres contraditórios e de algumas grosseiras piadas sussurradas. Dona Ponciana de Azevedo, a incansável, obteve sucesso com uma das suas precisas definições: “É o casamento de uma tábua de lavar com um suíno bom de talho”. Comparação cruel mas bem achada, quem pode negar?

Fosse por amor, fosse por outro motivo qualquer desconhecido, como queriam as comadres, o capitão Justo perdera a cabeça e nem parecia o mesmo homem. Um dos seus galos apanhou feio, na rinha, Justiniano nem discutiu, não falou em roubo, não agrediu o barbeiro Renato, dono do galo vencedor.

Dona Brígida, no entanto, não conseguia libertar-se por completo das sombras a persegui-la noite adentro. Adquirira o hábito de pesar factos e gestos, larguezas e limitações. O capitão resgatara a hipoteca do banco, mas não dera baixa no cartório nem quitação à viúva, passara a ser o credor. Quando dona Brígida tocou no assunto, Justiniano a fitara com seus olhos miúdos, quase ofendido: não iam casar-se, ele e Dóris, não ficava tudo em família, onde a necessidade de gastar dinheiro em cartório com quitação e besteiras iguais?

Também nas lojas acontecia o comerciante desculpar-se:

- Desculpe, dona Brígida, mas para uma compra tão grande só consultando o capitão…

Mesquinharias em meio às grandezas, dona Brígida pisava chão inseguro, frágeis capas de generosidade e gentileza a encobrir terra de violência a encobrir terra de violência, rocha abrupta sem sombra nem água.

De indispensável, nada faltara de boa qualidade ao enxoval; nem de longe, no entanto, o grande, o rico, o maior, o inesquecível enxoval dos sonhos de dona Brígida.

Assim, dúvidas e sombras perturbavam-lhe o sono e a satisfação, não a ponto, porém de levá-la a duvidar do real interesse de Justiniano Duarte da Rosa, paixão publicamente demonstrada.

O noivado durou três meses, o mínimo necessário para preparo do enxoval. Dona Brígida, por ocasião do pedido, propusera seis meses, prazo razoável. Seis meses? Para costurar uns vestidos, cortar uns lençóis? Absurdo, o capitão nem quis discutir. Por seu gosto ter-se-iam casado no dia seguinte ao do noivado. Pelo de Dóris, na véspera.

Para a solenidade do pedido, Justiniano Duarte da Rosa fizera-se acompanhar do doutor Estáquio e do prefeito na visita à casa da matriz. Dona Brígida convidara o padre Cirilo e algumas amigas íntimas, fizera pasteis, empadinhas, doces sortidos.

Na praça acumulavam-se curiosos, todo o comadrio e o resto do povo. Quando o pretendente apareceu, vestindo terno branco e chapéu panamá, ladeado pelo juiz e pelo prefeito, elevou-se um murmúrio.

O capitão deteve-se, olhou em redor. Outro homem, pacífico, não elevou o braço nem a voz, não chamou Terto nem Chico, não puxou do revólver, apenas olhou e foi o bastante. “Parece que nunca viram um homem ficar noivo”, rosnou para o prefeito. “Se não fosse em atenção à família dava uma lição a esses tabacudos”.

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