quarta-feira, abril 20, 2011

TEREZA


BATISTA


CANSADA


DE


GUERRA

Episódio Nº 86




Calada e eficiente, Tereza cumpria ordens. Não deixava o capitão de sentir-se satisfeito com tanta submissão: custara-lhe esforço ensinar medo àquela sediciosa, domá-la, quebrar-lhe a vontade. Quebrara, era um perito no assunto. Por isso mesmo, a qualquer pretexto ou sem pretexto algum, punha em função a palmatória ou a taca; para manter vivo a noção do respeito e impedir o renascer da rebeldia. Sem o medo, o que seria do mundo?

Para mandá-la embora, para negociá-la com Gabi ou Veneranda, petisco para capitais – para vendê-la ao doutor Emiliano, esperava o capitão conquistá-la por completo, tê-la amorosa, derramada, súplice, provocante, como tantas outras a começar por Dóris?

Quem podia adivinhar, sendo o capitão de natural reservado, pouco chegado a confidências?

Contentava-se a maioria – inclusivé as comadres, o meritíssimo e o círculo dos letrados – em atribuir tão longo xodó a uma causa única: a crescente formosura de Tereza Batista às vésperas dos quinze anos; pequenos seios rijos, ancas redondas, aquela cor assentada de cobre, pele doirada. Pele de pêssego na poética comparação do juiz e bardo – infelizmente pouquíssimos puderam apreciar a justeza da imagem por desconhecimento da fruta estrangeira.

Marcos Lemos, guarda-livros da usina de açúcar, de tendências nacionalistas, preferiu rimá-la com o mel da cana e a polpa do sapoti. O nome de Marcos Lemos figurava no alto da lista de Gabi.

E para o capitão? Quem sabe, um potro selvagem? Mas o domara e nele cavalga de relho e esporas.

22

A menina solta, livre, alegre, subindo pelas árvores em correrias com o vira-latas em marchas e combates de cangaço com os garotos, respeitada na briga, em risos com as colegas de escola, de inteligência e memórias elogiadas pela professora, a menina risonha e dada, amigueira, morrera no colchão do cubículo, na palmatória e na taca. Roída de medo Tereza viveu sozinha, não se apegou a ninguém, em seu canto, trancada por dentro. Sempre em pânico, a tensão se abrandava apenas quando o capitão saía em negócio, nas idas a Aracajú, nas viagens à Bahia, duas, três vezes ao ano.

Riscou da memória os dias de infância, despreocupados no roçado dos tios, no roçado dos tios, na escola de dona Mercedes, com Jacira e Ceição, na guerra heróica dos moleques, na feira aos sábados, festa semanal; para não se lembrar da tia Filipa mandando-a vir com o capitão, o capitão é um homem bom, na casa dele vai ter de um tudo, vai ser uma fidalga. Tio Rosalvo tirara os olhos do chão, saíra da leseira crónica para ajudar no cerco, fora ele quem a prendera e entregara. No dedo da tia o anel a brilhar.

O que foi que eu fiz, tio Rosalvo, que crime cometi, tia Filipa?

Tereza quer esquecer, recordar é ruim, dói por dentro; ao demais vive com sono. Levanta-se ao raiar da manhã, não tem Domingos nem feriados; de noite o capitão. Por vezes até o dia amanhecer.

Quando acontece ele partir em viagem, ou permanecer na cidade, noites santas, abençoadas noites, Tereza dorme, descansa do medo; na cama varre da memória a infância morta, mas o vira-lata a acompanha no sono de pedra. (clik na imagem e aumente)

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