segunda-feira, abril 25, 2011

TEREZA

BATISTA

CANSADA

DE

GUERRA



Episódio Nº 90





Na sala de frente da casa do meritíssimo juiz, doutor Eustáquio Fialho Gomes Neto, Fialho Neto dos ardentes sonetos, as luzes acesas; as cadeiras ocupadas pelas visitas de boas-vindas à senhora dona Beatriz Guedes Marcondes Neto, a esposa quase sempre ausente, mãe amantíssima “na capital a tomar conta das crianças, nos tempos que correm não se podem largar os filhos sozinhos numa cidade grande, com tantos engodos e precipícios!”.

Também para dona Beatriz as chuvas de Inverno tinham sido benéficas, pois, de rápida visita de Fevereiro a esta de Junho, nesse curto prazo de quatro meses, remoçara ao menos dez anos.

Rosto de pele lisa, estirada, sem rugas nem papo, corpo esbelto, seios altos, aparentando não mais de trinta fogosas primaveras, valha-nos Deus com tanto descaramento, como exaltada rosnou às amigas, após a visita, dona Ponciana de Azevedo, a das frases virulentas: “Esta fulana é a glorificação ambulante da medicina moderna”. Para dona Ponciana, a cirurgia plástica era um crime contra a religião e os bons costumes. Mudar a cara que Deus nos deu, cortar a pele, coser os peitos e quem sabe o que mais, vade retro! Mariquinhas Portilho discordava, não vendo crime nem pecado no tratamento; ela nunca o faria, é claro, nem tinha porquê, sendo viúva e pobre, mas a esposa do juiz residia na capital, frequentando a alta…

- A alta e a baixa, comadre, mais a baixa do que a alta… cortava dona Ponciana implacável. – Passou há muito dos quarenta e agora aparece com cara de mocinha e ainda por cima chinesa…

Referência aos recentes olhos amendoados pelos quais dona Beatriz trocara os antigos, grandes, macerados, melancólicos, súplices, factores importantes de seu sucesso anterior, infelizmente empapuçando-se num mar de rugas e pés-de-galinha e por demais vistos.

- Mais de quarenta? Tantos?

Mais de quarenta, com certeza. Apesar da herança e do parentesco, demorara a casar, foi preciso esperar um caça dotes indómito, capaz de fazer ouvidos moucos ao clamor universal: dona Beatriz, moça solteira, facilitara às pampas. Ora, o filho Daniel ali presente anda pelos vinte e dois, e é o segundo. O primogénito, Isaías, vai para os vinte e sete – entre os dois houve uma menina que morreu de crupe – em Dezembro se forma em Medicina. Sim, fique você sabendo, Mariquinhas, você, que tanto a defende: as crianças por cuja inocência zela na Bahia, pelas quais abandona o marido aqui, nas mãos de uma vagabunda, são esses dois marmanjos e Vera, a Verinha, maior de vinte anos, ainda marcando passo no curso ginasial mas já no terceiro noivado. A madama fica na Bahia, no jogo de cartas e no deboche, e não tem vergonha de posar de esposa sacrificada aos filhos, como se nós fossemos um bando de velhas malucas, sem outra coisa a fazer senão falar mal da vida alheia.

E não o somos, por acaso? – ria-se a boa Mariquinhas Portilho; ao demais, no entanto, concordam com dona Ponciana Azevedo, assim tão bem informada da vida da família do meritíssimo por conhecidos seus, vizinhos de rua de dona Beatriz: testemunhas oculares, oculares, minhas senhoras!

Todas as tardes a mãe amantíssima sai para o carteado em casa de outras a ela iguais no descaramento ou para encontrar-se com o doutor Ilírio Baeta, professor da faculdade e seu amante há mais de vinte anos; parece ter sido ele, ainda estudante, quem lhe fez a festa. E não contente em pôr os chifres no juiz, pondo-os também no esculápio ilustre, gulosa de rapazes. Isso explica a necessidade de remendar a cara, recondicionar o corpo, botar meia sola – sola inteira! – apertar os olhos, coser o peito, quem sabe o que mais? A inveja enche o corpete das comadres, amarga-lhes a boca, fel nas línguas. (clik na imagem e aumente).

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