quinta-feira, junho 02, 2011

TEREZA

BATISTA

CANSADA

DE

GUERRA

Episódio Nº 116






Com Tereza, porém, é diferente. Nem esposa nem mãe de filhos, sequer amásia ou xodó de rendez-vous, simples moleca, que respeito podia dedicar-lhe o capitão? No entanto, ali está parada, em silêncio à espera. Não sabe sequer beijar, boca hesitante, incerta. Não chora, não exibe remorso, não se nega, não se lastima, parada à espera. Garota de quinze anos, o corpo ainda em formação, a crescer em beleza, ao mesmo tempo madura, sem idade precisa, quem sabe contar os anos no calendário do padecimento? Não será Daniel, com certeza, inconsequente moço da capital, leviano e petulante nos amores fáceis; para o belo Dan das velhotas, a menina Tereza é obscuro, indecifrável mistério.

Mas constata a formosura do corpo e da face e nela se compraz; Tereza é toda ela de cobre e carvão, carvão nos olhos e nos cabelos corridos. Os seios, dois seixos do rio molhados de água, a longitude das pernas e coxas, o ventre terso, as coxas roliças, a bunda ainda adolescente numa ostentação de opulência.

Sobre o traço florado da calçola apenas a rosa plantada no vale de cobre, não quis Daniel desvendá-la por ora. Depois tomará da rosa escondida no tempo justo. E o resto, Daniel?
Calada, Tereza à espera.

Uma vez na vida, Daniel não sabe as palavras.

Despe a camisa e as calças. Os olhos de Tereza se enternecem ante a visão do corpo do anjo, os cabelos do peito, a barriga lisa, os músculos das pernas; quando Daniel tirou os sapatos e as meias, ela viu-lhe os pés magros, de unhas tratadas, seria um prazer lavá-los, cobri-los de beijos.

Estão diante um do outro, Daniel sorri, ainda sem palavras para Tereza. Palavras conhece muitas, todas bonitas, inflamadas de paixão, frases de amor, até versos escaldantes do meritíssimo. Palavras todas elas gastas de tanto dizê-las a velhas senhoras, a casadas fogosas, a românticas raparigas dos cabarés e pensões, nenhuma delas para a menina posta em sua frente. Sorri e Tereza responde ao sorriso; ele vem e a abraça, corpo a corpo.

A mão de Daniel desce até à calçola, mas antes de retirar o trapo florido, sente na ponta dos dedos a cicatriz. Curva-se para ver: marca de antiga ferida e no centro uma perfuração como se a houvessem furado com um prego. O que foi isso querida? Porque tanto quer saber, porque perturbar com perguntas e respostas o tempo único desta curta noite que talvez nunca mais se repita? Foi a ponta da fivela do cinto, numa das surras. Ele lhe batia muito? Com a taca de couro cru? Ainda bate, mas porque deseja saber, porque se afasta, deixa de tocar-lhe o corpo e a fita com um ar de anjo perplexo? De que se espanta? Quem sabe, não acredita, mas o anjo do quadro no outro cubículo, na casa da roça, esse a tudo assistiu, a taca e o ferro de engomar.

Sim, ainda bate; por qualquer bobagem, o castigo, um nada, um erro nas contas, e a palmatória entra em cena; mas que lhe adianta saber, se não tem jeito a dar? Não pergunte mais nada, a noite é curta; daqui a pouco, extintas as fogueiras, silenciarão as harmónicas pondo fim a danças e fandangos – na barra da manhã o capitão de regresso ocupará a cama de casal e a escrava.

Mais além do egoísmo, da trêfega desfaçatez juvenil, do sentimental superficial, da inconsequente aventura, o moço Daniel comovido – se vê cada coisa no mundo! – pondo-se de joelhos, beija a cicatriz no ventre de Tereza. Ai, meu amor! Dizendo a palavra amor pela primeira vez.

Noite curta, longa de cem anos. (clik na imagem)

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