sábado, junho 04, 2011

TEREZA

BATISTA

CANSADA

DE

GUERRA





Episodio Nº 118




Cega e muda, faminta e sequiosa, Tereza aprendendo. Donzela mais do que donzela, virgem de mil cabaços, tudo é pela primeira vez; jamais Daniel sentira sensação igual, para ele também é descoberta e novidade. No despertar de Tereza prolonga o próprio prazer, mas não consegue deter a urgente e atrasada companheira, não pode contê-la.

Esvaída, os olhos fechados, desfaz Tereza o laço das pernas, mas Daniel permanece e prossegue devagar; com requinte e sabedoria vai buscá-la, de novo a transporta no voo do pássaro, agora sim, os dois juntos alcançam a graça de Deus.

Acendeu-se na noite de São João a fogueira de Tereza Batista e a tendo acendido nela se queimou Daniel, em fogo recente e vasqueiro mas de lavra rápida, em crepitar de suspiros, de ais afogados; nenhuma outra crescerá tão alta em calor e labaredas.

Depois dessa segunda vez, Daniel trouxe um cigarro do bolso do paletó e, deitando a cabeça no cálido regaço de Tereza, fumou enquanto ela lhe fez cafuné. Vou catar seus piolhos, anunciou, e riram os dois. Outro agrado não conhecia Tereza; aprendido na primeira infância com a mãe ainda viva, antes do desastre da marineti. Daniel apagou o cigarro na sola do sapato, guardando a bagana no bolso para não deixar rastro.

Voltou a deitar a cabeça no ventre da menina, ela sentia os loiros caracóis sobre o tufo negro, misturando-se os pelos numa cócega; no cafuné, Daniel adormeceu.

Tereza velou o sono do anjo, ainda mais belo em pessoa do que nas cores do quadro. Pensou em muitas coisas enquanto ele dormia. Recordou o vira-lata, Ceição, Jacira, os moleques, os brinquedos de cangaço e guerra, a tia com desconhecidos na cama, tio Rosalvo com os olhos de bêbado, a perseguição no terreiro, o tio a entregá-la, tia Filipa de anel no dedo, a viagem no caminhão, o cubículo na casa da roça, as fugas, a palmatória, a taca, o cinto, o ferro de engomar.

De súbito tudo ficou para trás, como se houvesse sido apenas caso de almas penadas, história de assombração contada por dona Brígida, maluquices da velha viúva.

Aquela noite de chuva humedecera a terra gretada e seca, brotaram ternura e alegria sobre a dor antiga e o medo pânico. Por nada do mundo voltaria às penas do capitão.

Agora pode morrer, não morrerá em falta, triste, na solidão e no medo. Melhor morrer que retornar ao leito do capitão, à gosma do capitão. Na roça, Tereza fora ver a moça Isidra pendurada de uma corda no quarto, a língua preta saindo da boca aberta, os olhos de espanto. Enforcara-se ao saber da morte de Juarez, seu homem, numa rixa de bêbados, apunhalado. Não falta corda no armazém; entre a partida do anjo e a volta do capitão terá tempo de sobra para preparar a laçada.


(clik na imagem)

Site Meter