sábado, junho 11, 2011

TEREZA

BATISTA

CANSADA

DE

GUERRA


Episódio Nº 24



40

Dias de aflição e de impaciência precederam o embarque do capitão para a Bahia. Apenas uma vez trocou apressado beijo com Daniel, na hora do meio-dia, e ele lhe disse uma palavra de ânimo: a viagem está firme. Na véspera deixara uma flor murcha no balcão, de suas pétalas fanadas viveu Tereza aqueles cinco dias de mortal espera.

Daniel vinha diariamente, quase sempre em companhia de Justiniano, íntimos a conversar e rir, de coração palpitante, Tereza acompanhava cada gesto, cada olhar da aparição celeste, querendo adivinhar mensagem de amor. Não estando presente o capitão, o jovem com um pé entrava com o outro saía, bom dia, até logo, cigarros americanos para os caixeiros, para Tereza o olhar de quebranto, um muxoxo nos lábios significando um beijo, pouco para a fome desperta, exigente.

Em troca, todas as tardes merendava com as irmãs Morais, mesa farta de doces, os melhores do mundo. – de caju, de manga, de mangaba, de jaca, de goiaba, de araça, de groselha, de carambola, quem cita de memória comete fatalmente injustiças, esquece na relação delícias essenciais, o de abacaxi, por exemplo, o de laranja-da-terra, ai meu Deus, o de banana em rodinhas! – todas as variações do milho, das espigas cozidas à pamonha e ao manuê, sem falar na canjica e no xerém obrigatórios em Junho, a umbuzada, a jenipapada, as fatias paridas com leite de coco, o requeijão, os refrescos de cajá e pitanga, os licores de frutas.

Modesta merenda, diziam as irmãs; banquete de fadas, no galanteio guloso de Daniel. No salão, o piano coberto com um xaile espanhol, lembrança de grandezas passadas, gemia nos dedos de Magda as notas de “Prima Carezza” da “Marcha Turca”, de “Le Lac de Come”, reportório selecto e felizmente escasso. No lápis de cor, Berta tentava reproduzir-lhe o perfil – acha parecido? Parecidíssimo, você é uma artista. Palmas para a declamadora Amália; disposto a tudo, Daniel pedira bis quando ela, trémula de emoção, disse “In Extremis”: “A boca que beijava a tua boca ardente”. A pretexto de lhe cuidar das unhas, Teodora tomava-lhe das mãos, os joelhos encostados nos do moço, os seios em permanente exibição e até lhe mordera a ponta de um dedo – as irmãs unânimes reprovavam a falsa manicure, subterfúgio desleal e indecente; Teó, bem do seu, de tesourinha e lixa, vidro de acetona, nunca vira mãos tão macias.

Empoadas, pintadas, na água-de-colónia e nos extractos, as quatro irmãs quase em delírio. Na cidade, as comadres divididas em facções: uma ala anunciando para breve o noivad0 de Daniel e Teodora, preso o pobre rapaz na armadilha montada no chalé pelas terríveis irmãs; outra tendência, frescária, chefiada por dona Ponciana de Azevedo, apostando em Daniel: está a comer a oferecida Teó e de quebra os quitutes e os doces, e só não come as outras três se não quiser. O capitão, testemunha de vista, a quem o estudante, conversador e divertido, era simpático – apesar de certos hábitos indignos, homem inteiro não lambe xibiu de mulher – chamara sua atenção para o perigo de engravidar Teodora. Daniel, em resposta, lhe narrou uma série de impagáveis anedotas sobre o problema de evitar filhos, cada qual mais gozada, o cara-de-pau sabia contar como ninguém uma piada, o capitão só faltava morrer de rir.

No dia de São Pedro pela manhã, Justiniano foi buscar Daniel a casa do juiz para levá-lo a um combate de galos, saíram no caminhão. Almoçaram por lá, só no fim da tarde o capitão regressou. Tereza ainda acalentava a esperança de que ele fosse ao fandango de Raimundo Alicate, ah!, teriam ela e Daniel a noite livre, de festa. O capitão nem trocou de roupa; assim mesmo como estava, a la godaça, saiu para traçar umas cervejas na pensão de Gabi, voltando cedo para dormir. (clik na imagem e aumente)

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