sexta-feira, julho 22, 2011

TEREZA


BATISTA


CANSADA


DE


GUERRA





Episódio Nº 159




Voltou o povo às suas casas, novamente viram-se crianças e cachorros futucando nas montanhas de lixo de Muricapeba à procura de comida. Os urubus esparsos pelo campo, de vez em quando desencavam um corpo enterrado quase à flor da terra, nele matando a fome.

Duas comemorações religiosas realizaram-se em agradecimento e júbilo.

No terreiro de Agnelo, em Muricapeba, Omolu teve festa e dançou no meio do povo no ritmo apanigé. Dançou primeiro Ajexé, empesteado Omolu, morrendo e renascendo na bexiga, na mão o xaxará, coberto com o filá o rosto em pústulas; depois dançou Jagun, Obaluaiê guerreiro, o filá e o azê de cor marron como a bexiga negra; por fim juntos dançaram e o povo saudou o Velho erguendo a mão e repetindo: atotô, meu pai! Vieram os dois Omolus e abraçaram Tereza, gente sua, limparam-lhe o corpo e o fecharam a toda e qualquer peste para a vida inteira.

A procissão saiu da Matriz, na frente o vigário e o prefeito interino, nas mãos dos notáveis os andores com as imagens de São Roque e de São Lázaro – Obaluaiê, Omolu dos brancos – e grande acompanhamento popular. Foguetes, rezas, cantorias, sinos repicando alegremente.

Para ir-se embora de Buquim, onde nada mais tinha a fazer, Tereza Batista teve de vender alguns balangandãs ao turco Squeff, candidato a com ela se amigar se fosse o caso, mas não era. Nunca mais amásia nem sequer companheira de aventura em busca de prazer ou tranquilidade, nunca mais.

Tereza, a quem a morte não quisera, enjeitada da bexiga, ah! por dentro consumida em febre, no peito um punhal cravado fundo, vai partir no rumo do mar onde afogar-se.

Ai, Januário Gereba, pássaro gigante, onde andarás? Nem a morte me quis quando em desespero fui buscá-la no meio da bexiga negra – sem ti, Janu do bem-querer, de que me serve a vida? Quero ao menos estar onde tu estejas, escondida seguir teu rasto, olhar de longe teu perfil de barco, padecer tua ausência de navegação, ai, em que horário passa o trem para a Bahia? Também Tereza quer fugir; da saudade atroz, do desespero.

Do átrio da igreja as beatas viram Tereza Batista andando para a estação, sozinha. Uma delas disse – e todas concordaram:

- Vaso ruim não quebra mesmo. Morreu tanta gente direita e nessa vagabunda, que até no lazareto se meteu de intrometida, nada lhe pegou; bem podia ao menos a bexiga ter-lhe comido a cara.

Z

Zacarias se curou, tinha apego à vida, e até hoje não sabe como foi parar ao lazareto. A não ser que tenha lido em alguma brochura de cordel, pois sobre a praga da bexiga muitas histórias se espalharam e correm mundo, falados contadores dela se ocuparam pondo em trova e em rima o triste enredo de choro, pus e morte. Vários folhetos foram assim escritos e são vendidos nas feiras do Nordeste – nenhum mais verdadeiro do que este abecê que agora aqui se acaba por já não haver o que contar.

Antes de acabar, porém, repito e acreditem se quiserem: quem deu jeito à bexiga negra nas ruas de Buquim foram as putas de Muricapeba, com Tereza à frente. Com os dentes limados e o dente de ouro Tereza Batista mastigou a bexiga e a cuspiu no mato; a bexiga saiu voando para o trem, em desabalada fuga para o rio São Francisco, uma das suas moradas preferidas, enquanto vinha o povo de regresso às ermas casas. Numa lapa escondida, a bexiga aguarda nova vez.

Ah, se não tomarem tento, um dia há-de voltar para acabar com o resto, e ai do povo! Onde encontrar para o comando da peleja outra Tereza da Bexiga Negra? (clik na imagem e aumente)

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