quinta-feira, julho 28, 2011

TEREZA


BATISTA


CANSADA


DE


GUERRA


Episódio Nº 164


Saem correndo, Lula rua afora. Nina casa adentro, seminua nos trapos de dormir, a benzer-se. No quarto, toca e examina os lençóis marcados de sémen e de morte, põe a mão sobre a boca a suster uma exclamação – ai, o velho morreu se esporrando, trepado nela, na condenada!

Tereza retorna em passo lento, ainda sem o completo domínio das pernas e das emoções. Ainda não se detém a pensar nas consequências do acontecimento.

De joelhos, aos pés da cama, Nina puxa uma oração e por baixo espia a face de pedra da patroa – patroa lá dele, sou empregada do doutor. Porque a renegada não cai, ela também, de joelhos a rezar, a pedir perdão a Deus e ao falecido? Esforça-se Nina em busca de lágrimas; aquela morte em condições tão singular não constitui surpresa. Nina dissera e repetira a Lula e à lavadeira: um dia ele emborca na cama, em riba dela, afrontado.

Nos últimos tempos, o doutor não levava mais de dez dias sem aparecer em Estância, e quando, por força dos afazeres, se atrasava, ali permanecia tempo dobrado, a semana inteira – noite e dia na barra da saia de Tereza, a lhe mamar os peitos, a gozar com a perdida. Velho maluco, sem medir as forças, a desperdiça-las com mulher jovem e fogosa, sem enxergar outra em sua frente, tantas se ofereceram a começar por Nina, e ele embruxado pela fingida, sem consideração à idade avançada nem às famílias gradas, pois, não satisfeito de receber em casa da amásia visitas do prefeito, do delegado, do Senhor Juiz e até do padre Vinícius, saía com ela de braço dado pela rua, iam fretar-se na ponte sobre o rio Piauí ou banhar-se juntos na Cachoeira do Ouro, no Piauitinga, a desavergonhada de maiô mostrando o corpo, ele praticamente nu, apenas os bagos cobertos por minúscula sunga, indecências da estranja a corromper os bons costumes de Estância.

Assim nu, o velho ainda parecia rijo, bonitão, ainda homem de boa serventia; na idade, contudo, mais de quarenta anos o separavam de Tereza. Tinha de dar naquilo, Deus é bom mas é sobretudo justo e ninguém adivinha a hora do castigo.

Velho fogueteiro. Por mais forte e sadio parecesse, ia cumprir os sessenta e cinco. Nina o ouvira dizer na ante véspera ao doutor Amarílio, ao jantar: sessenta e cinco bem vividos, caro Amarílio, no trabalho e no prazer da vida. De mágoas e desgostos não falara, como se não os tivesse. Homem gasto a bancar de rapaz moderno, a fingir de garanhão – era na cama, era no sofá da sala, era na rede, em qualquer lugar e a toda a hora, em incontinente abuso digno de quem possuísse dezoito anos e o mais que na velhice falta a qualquer homem, parecendo a ele não faltar, pecador empedernido.

Nas noites de lua, a lua de Estância enlouquecida em ouro e prata, quando Nina e Lula se recolhiam para dormir, os dois viciados, o caduco e a sem vergonha, punham uma esteira sob as árvores, mangueiras centenárias, e ali faziam de um tudo, largando o leito de jacarandá com colchão de barriguda e lençóis de linho fino no quarto voltado para a viração do rio.

Nina abria uma nesga na porta dos aposentos nas aforas da casa e entrevia na luz do luar o embate dos corpos, escutava no silêncio da noite os gemidos, os ais, as palavras esparsas.

Tinha de terminar em congestão cerebral, o doutor era de sangue forte. Calmo, raras vezes se exaltava, mas, quando acontecia contrariar-se ou enraivecer-se, o sangue subia-lhe à cabeça: a cara vermelha, os olhos em fogo, a voz um rugido, capaz de qualquer desatino. Numa única ocasião Nina o vira assim, quando um vendedor de inhame e aipim faltou-lhe com o respeito; segurou o tipo pelo gasnete, esbofeteando-o sem parar. Bastara, porém, um gesto e uma palavra de Tereza para fazê-lo suspender o castigo e recompor-se (clik na imagem e aumente)

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