terça-feira, agosto 02, 2011

TEREZA

BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA


Episódio Nº 168




Dos lados da cozinha chegam as vozes abafadas de Lula e Nina. Tereza toma a mão estendida do médico:

- Doutor Emiliano morreu.

- O quê?

Precipita-se doutor Amarílio para o quarto. Tereza acende a lâmpada forte do abajur junto à confortável cadeira de braços onde Emiliano sentava-se para ler – muitas vezes lia em voz alta para Tereza arrodilhada no chão, a seus pés. Doutor Amarílio toca o corpo, o lençol molhado, ai, pobre Tereza. Muda e ausente, Tereza recorda minuto por minuto os anos decorridos.

8

Ao chegar a Cajazeiras do Norte e ao saber de Tereza na pensão de Gabi, a reacção do doutor foi de irritação e mau humor. Decidiu largá-la à sua sorte, a fulana não pagava a pena. Ele, doutor Emiliano Guedes, dera-se ao trabalho de incomodar um amigo, advogado capaz e astuto, fazendo-o vir de Aracaju para retirá-la da cadeia e da circulação, pô-la em segurança, e a idiota, em vez de manter-se à espera, saía correndo para o prostíbulo, irreprimível vocação de marafona. Que a exercesse então.

No fundo achava-se o doutor menos despeitado pela forma como Tereza agira do que por se ter enganado julgando-a digna de interesse e protecção. Ao encontrá-la na roça de Justiniano, pareceu-lhe enxergar nos olhos negros de menina um fulgor raro e significativo. Também o relato dos sucessos posteriores, confirmaram-lhe aquela boa impressão inicial.

Errara, por mais incrível que pareça, revelando-se a sujeita rameira das piores, cabendo razão à prima Beatriz, devassa e maternal. O fulgor dos olhos não passara concerteza de raio de sol a iluminar-lhe a vista. Paciência.

Sendo a capacidade de conhecer e qualificar e qualificar as pessoas elemento fundamental para o comando exercido pelo doutor, senhor de terras e capitão de indústrias, banqueiro, sentia-se vaidoso de acertar no julgamento á primeira vista e, por isso mesmo, era-lhe difícil esconder o desaponto quando errava. A decepção o fez voltar-se para o juiz substituto, precisando descarregar em alguém o despeito a lhe amargar a boca. Dirigiu-se à Prefeitura, onde se situava o Fórum em sala do andar superior. Encontrou apenas o escrivão, que, ao vê-lo só lhe faltou pedir a bênção: quanta honra, meu doutor! O juiz ainda não chegara mas ia chamá-lo num instante, estava o meritíssimo hospedado na pensão de Agripina, ali pertinho.

O nome dele? Doutor Pio Alves, pretor durante muitos anos, finalmente juiz de direito em Barracão. Enquanto espera, da janela aberta sobre a praça, o doutor contempla o burgo triste e o desaponto cresce, não gosta de ser contrariado, menos ainda de enganar-se. Uma decepção a mais; pela vida afora vão-se acumulando os desencantos.

Solene, uma sombra de preocupação nos olhos, um tique nervoso no lábio, entra na sala o juiz substituto, doutor Pio Alves, pleno de azedume e de ressentimento. Permanece vítima de injustiças, sempre passado para trás, cedendo lugar e vez aos protegidos, julga-se alvo de um complô do clero, governo e povo, unidos para derrotá-lo a cada passo. Julgador ranzinza, mão pesada na sentença, insensível a qualquer argumento que não fosse a letra da lei. Quando lhe vinham falar em flexibilidade, compreensão, lástima, clemência, em sentimentos humanitários, respondia enfático:

- Meu coração é o sacrário da lei, nele inscrevi o axioma latino dura lex sed lex. (clik na imagem e aumente)

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