terça-feira, agosto 30, 2011

TEREZA

BATISTA

CANSADA

DE

GUERRA


Episódio Nº 192


Passada a incontida explosão de alegria, Tereza pôs-se a reflectir, aprendera a fazê-lo na cadeia: o doutor tinha razão. Botar no mundo filho natural é condenar um inocente ao sofrimento. Na pensão de Gabi testemunhara mais de um caso: o filho de Catarina morrendo aos seis meses devido aos maus-tratos da mulher paga para cuidar dele; a filha de Vivi ficara fraca do peito escarrando sangue; a tomadora de conta, uma peste velha, a gastar na cachaça o dinheiro dado por Vivi para a comida. As mães na zona, os filhos ao abandono, entregues a estranhos. Daquela vida ruim de mulher dama o pior ainda era a aflição com os filhos.

Estando o doutor ausente há três semanas, atendendo a negócios importantes na Bahia, na matriz do Banco, Tereza foi ao consultório do doutor Amarílio. Exame ginecológico, perguntas, diagnóstico fácil: gravidez; e agora, Tereza? Ficou à espera da resposta, os olhos negros de Tereza cismarentos, absortos: ah, um filho nascido dela e do doutor, crescendo belo e arrogante, de olhos azuis celestes e maneiras finas, a quem nada faltasse neste mundo, um fidalgo como o pai! Ou rapariga como a mãe, de deu em deu, de mão em mão?

- Quero tirar doutor

O médico tinha ponto de vista firmado, ponderáveis reservas morais:

- Eu não aprovo o aborto, Tereza. Já fiz alguns mas em casos muito especiais, por necessidade absoluta, para salvar a vida de mulheres que não podiam conceber. Aborto é sempre ruim para mulher, física e espiritualmente. Ninguém tem direito a dispor de uma vida…

Tereza fitou o médico, essas coisas são fáceis de dizer, duras de ouvir:

- Quando as coisas não têm jeito… Não posso ter menino, o doutor não quer – baixou a voz para mentir – nem eu também…

Mentira em termos pois queria e não queria, pois queria e não queria. Queria com todas as fibras, não era estéril, que emoção! Ah, um filho dela e do doutor! Mas quando pensava no dia de amanhã já não queria. Quanto tempo vai durar o xodó do doutor Emiliano, capricho de rico? Pode acabar a qualquer momento, já durou até demais, amante é para o prazer da vida, o prazer da cama. Quando o doutor resolver variar, cansado dos braços de Tereza, a ela só restará a pensão da Gabi, a porta aberta do puteiro, o filho a se criar na zona, a crescer no abandono e na necessidade. Entregue a uma qualquer, mais pobre ainda do que as putas, em troca de um pouco de dinheiro, sem carinho materno, sem afecto algum, sem pai, vendo a mãe de vez em quando, condenado. Não, não vale a pena, ninguém tem o direito, doutor Amarílio, de condenar um inocente, o próprio filho, antes dispor da morte enquanto há tempo.

- Filho sem pai não quero. Se o senhor não quiser tirar arranjo quem faça, não falta em Estância. Tuca a capoeira já mandou tirar não sei quantos, é quase um por mês. Falo com ela conhece quase todas as fazedoras de anjos.

Filho sem pai, pobre Tereza. O médico teme a responsabilidade.

- Não vamos nos afobar, Tereza, não há motivo para tanta pressa. O doutor já viajou há bastante tempo, não foi? Não tardará a estar de volta. Vamos esperar que ele chegue para decidir. E se ele não quiser que você aborte
? (clik na imagem e aumente)

Site Meter