TEREZA
BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA
Episódio Nº 206
Os olhos abertos do doutor parecem animar-se à luz tacanha da vela, repletos de malícia, como se ele acompanhasse os pensamentos de Tereza. Não era preciso água milagrosa do Piauitinga, pau-de-resposta, capim-barba-de-bode, catuaba, bastando um olhar, um sorriso, um gesto, um toque, o joelho à mostra, e lá se iam para a folgança reservando a maior parte do tempo estanciano do banqueiro, breve tempo de lazer.
Não me olhes assim, Emiliano, não quero recordar tais deleites na noite da tua morte. E porque não, Tereza? Onde morri senão em teus braços, dentro de ti me desfazendo em amor? Não vivemos dois amores distintos, um reservado aos sentidos, outro aos sentimentos, foi um único amor feito de ternura e de volúpia. Se não queres recordar, recordo eu, Emiliano Guedes, requintado mestre do prazer, utilizando a própria morte.
Os mesmos olhos de malícia, o mesmo olhar travesso com que a mirava durante o jantar na mesa repleta de amigos, mostrando-lhe a ponta da língua. Desde a noite na porta da pensão de Gabi, antes de colocá-la na garupa do cavalo, fixara sensação de intenso poderio com a ponta da língua saindo debaixo do bigode para abrir os lábios dela: bastava que ele a mostrasse de longe e já Tereza a sentia penetrar, íntima de todos os recantos do seu ser.
Tudo em Emiliano era preciso e cada passo no caminho do refinamento se transformava em marco a ser retomado em outra ocasião.
Diante de visitas solenes – o prefeito, o meritíssimo, o promotor – num gesto em aparência inocente, com a unha o doutor coçava o cangote de Tereza, ela tinha de conter-se para evitar um gemido, mãos devassas, lascivas unhas-de-gato.
O olho oblíquo posto no decote do vestido para lhe ver o seio. Uma noite, conversavam no jardim, onde a iluminação era propositadamente escassa, pois o doutor queria o céu livre para a lua e as estrelas. Haviam jantado e a polémica prosseguia entre Lulu Santos e o médico, baixas divergências políticas. João Nascimento Filho tinha feito o elogio da noite esplendorosa e padre Vinícius louvara a generosidade do Senhor criando tanta beleza para regozijo do homem na Terra.
Sob o cajueiro, Tereza, sentada a ouvi-los. O doutor veio até ela e, curvando-se em sua frente, a encobriu da vista dos demais. Afectando lhe dar a beber um gole no cálice de conhaque, abriu-lhe o decote do vestido e olhou o seio moreno e rijo, talvez o mais belo ornamento de Tereza. O mais belo? Que dizer então da bunda? A bunda, ah!
Não, Emiliano, não recordes mais, desvia de mim teus olhos arteiros, lembremos outros momentos. Tudo entre nós foi idílio, sobra muito em que pensar. Favo de Mel não sejas tola, nosso idílio nasceu e se acabou na cama. Ainda há pouco, quando me preparavas para o encontro inevitável com a solenidade da morte de um prócer, de que te recordaste ao sentir o perfume da água-de-colónia masculina? Ai, Emiliano, tais memórias, aromas e deleites terminaram para mim. Não, Tereza, a alegria e o prazer, são o legado que te deixo, o único, não dispus de tempo para mais. (clik na imagem e aumente)
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