segunda-feira, setembro 26, 2011

TEREZA

BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA


Episódio Nº 214




Está cansado da viagem, mais cansado dos dissabores. Tereza descalça-lhe os sapatos, tira-lhe as meias. Num tempo esquecido, todas as noites devia lavar os pés do capitão, penosa obrigação de escrava.

O capitão, a roça, o armazém, o cubículo com a estampa da Anunciação e a taca de couro, o ferro de engomar, tudo isso sumiu na distância, dissolvendo-se no tempo do doutor, na harmonia de agora. No prazer de descalçar e desnudar o amásio belo, limpo, sábio. O acto é o mesmo, melhor dito, parece o mesmo acto de vassalagem, de sujeição. Mas, enquanto do capitão era serva, cativa do medo, do doutor é amante, escravidão do amor. Tereza completamente feliz.

Completamente? Não, porque o percebe magoado e ferido e as amarguras dele nela se reflectem, a magoam e ferem por mais o doutor as esconda. Vou preparar um banho bem quente para o senhor descansar da viagem.

Depois do banho foi a cama, extensa e profunda de prazer. Ele chegava ansioso, em ânsia a encontrando, e o primeiro embate tinha a violência da fome, a urgência da sede. Ai, meu amor, morriam e renasciam.

- O bode velho está tirando o atraso, botando a escrita em dia, uma hora dessas emborca em riba da assanhada… - sussurra Nina a Lula enquanto examinam a bicicleta, presente destinado ao filho deles, da melhor marca, igual à do anúncio colorido publicado na revista.

Na hora do crepúsculo e da brisa, Tereza e o doutor voltam ao jardim. Apaziguadora, a noite de Estância começa a se estender sobre as árvores, o casario e as pessoas. Da cozinha, resmungando incongruências, a velha Eulina envia pitus para o tira-gosto; prepara escaldado de guaiamuns para o jantar. Lula trás a mesa, as garrafas e o gelo. Emiliano, após servir, estende-se na rede, finalmente em casa.

Sem se referir ao incidente com a beata, ela lhe fala da quermesse:

- Vai ser no sábado, depois de amanhã. Vieram pedir uma prenda, aproveitei e ofereci aquele abajur de conchas pintadas que o senhor não tolerava, um que lhe deram em Aracaju, se lembra?

- Lembro. Horrível… Foi um cliente do Banco quem me deu, um comerciante. Deve ter pago um bom dinheiro por aquela monstruosidade. Coisa mais feia.

- O senhor é que acha feio, todo o mundo acha lindo. – Bole com ele para o fazer rir: - O doutor é um enganjento, põe defeito em tudo. Não sei como foi gostar de mim, uma tribufu sem serventia.

- Favo de Mel, agora você me lembrou da minha primeira esposa, Isadora. Nunca lhe contei que para casar quase4 briguei com meu pai, o velho era contra por ela ser moça pobre, gente do povo, costureira. A mãe fazia doces para festas, o pai ela nunca vira. Eu tinha acabado de me formar, foi namoro rápido, bati o olho nela, aprovei. Essa vale a pena, disse para mim mesmo.

Com menos de dois meses fiz-lhe o serviço, gostava dela, me casei. Tive que ir morar na usina, trabalhar ao lado do velho, abrindo mão dos meus planos, que eram outros. Não me arrependo, ela valia a pena. Meu pai terminou adorando Isadora, foi ela que lhe fechou os olhos na hora da morte.

Boa e dedicada, extremosa, cativante. Fomos casados dez anos, morreu de tifo em poucos dias.
(clik na imagem)

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