quinta-feira, setembro 29, 2011

TEREZA

BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA





Episódio Nº 217



Deposita o cálice na mesa, rodeia com o braço a cintura da amásia, não se pode sentir vazio e triste quem possui Tereza. Coça-lhe o cangote com a unha, num ímpeto de desejo. Mais tarde beberão um último cálice na cama.

Sábado à noite ferve a animação na Praça da Matriz, quermesse organizada pelas senhoras gradas em benefício do Asilo dos Velhos e da Santa Casa da Misericórdia, as barracas atendidas por moças e rapazes da sociedade, dois improvisados bares com refrigerantes, refrescos e cerveja, sanduíche, cachorro quente, batida de limão, amendoim, maracujá e tangerina, doces inúmeros, e o parque de diversão de João Pereira, armado com carrossel, chicote, barcos voadores, roda gigante.

Eis que surgem de braço dado o doutor e a amásia. Por um segundo todos param para olhar e ver. Tereza tão formosa e bem vestida, a ponto das próprias senhoras terem de reconhecer não existir em Estância outra capaz de com ela se comparar. O velho de prata e a moça de cobre atravessam entre o povo, vão de barraca em barraca.

O doutor parece um rapazola, compra um balão azul para Tereza, ganha prémios no tiro ao alvo, uma carta de alfinetes, um dedal, toma refresco de mangaba, aposta e perde na roleta, mais adiante é o leilão de prendas. Sem sequer tomar conhecimento do objecto que está sendo apregoado, pelo qual já ofereceram vinte cruzeiros, ele dá um lance de cem e imediatamente recupera o abajur de conchas pintadas, aquele horror.

Tereza não pode controlar o riso desatado quando o leiloeiro recolhe o alto pagamento e, numa reverência grata, entrega a prenda.

Até então, Tereza se sentira contrafeita ante os olhares de soslaio das senhoras e beatas, a pequena multidão de estafermos a acompanhá-los com a vista, a segui-los de longe. Mas agora, rindo de perder o fôlego, tranquila enfrenta olhares e cochichos, indiferente aos curiosos, o braço no braço do doutor, feliz da vida.

Também o doutor se libertara de mágoas e cuidados, na surpresa feita na véspera a mestre João, na alegria do amigo, na recordação da juventude, na cama depois, nos refinamentos nocturnos nos braços de Tereza improvisada taça de Constantia, no banho do rio, na festa matinal, na tarde preguiçosa, na doce companhia da amásia. De quando em vez responde ao respeitoso boa-noite de um conhecido.

De longe as fidalgas olham os desavergonhados, calculando o preço do vestido, a perguntarem-se o valor dos brincos e do anel – pedras verdadeiras ou simples fantasia? O riso de Tereza não tem preço.

Sem querer, pela primeira vez, escapa-lhe da boca a expressão de um desejo, não chega todavia a ser um pedido:

- Sempre tive vontade de um dia andar na roda gigante.

- Nunca andou, Favo-de-Mel?

- Nunca tive ocasião.

- Vai andar hoje, vamos.

Aguardam a vez na fila, antes de ocuparem uma caçamba. Elevam-se pouco a pouco, enquanto a roda vai parando para desembarcar os antigos e embarcar novos fregueses. (clik na imagem)

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