segunda-feira, setembro 26, 2011

Um Nabuco de Verdi... especial.


Em 12 de Março último, a Itália festejava o 150º aniversário de sua criação. Para comemorar foi levada à cena, na Ópera de Roma, a representação da ópera mais simbólica da unificação italiana: "Nabuco", de Verdi, com a regência de Ricardo Muti ..

Nabuco, de Verdi, é uma obra ao mesmo tempo musical e política: ela evoca o episódio da escravidão do povo judeu na Babilónia e o famoso canto "Vapensiero" que é o canto dos escravos oprimidos, saudosos de sua pátria.


Na Itália, essa ária é o símbolo da luta que se travou, por volta de 1840, pela liberdade da Itália, então sob domínio do império austríaco dos Habsburgos. Verdi foi participante e símbolo dessa luta e a ópera foi escrita nessa época.

Antes da representação, Gianni Alemanno, Prefeito de Roma e ex-ministro de Berlusconi, subiu
ao palco para pronunciar um discurso denunciando os cortes no orçamento da cultura do governo central. Esta intervenção política, num momento cultural dos mais simbólicos para a Itália, iria produzir um efeito inesperado, ainda mais porque o próprio Berlusconi estava assistindo ao espectáculo.

Ouvido pelo Times, Ricardo Muti, o regente, conta que foi uma verdadeira noite de revolução:


- "Bem, - disse ele - no início, houve uma grande ovação por parte do público. Depois, começamos a ópera e ela se desenvolvia muito bem mas, quando chegamos ao famoso canto "Va pensiero", eu senti imediatamente que a atmosfera se tornara tensa entre o público. Existem coisas que não se podem descrever mas que se sentem. Antes, era o silêncio do público que reinava mas no momento em que sentiram que "Va pensiero" ia começar, o silêncio se encheu de verdadeiro fervor, Podíamos sentir a reacção visceral do público à lamentação dos escravos, que cantavam "...oh, minha pátria, tão bela e perdida!"


Quanto o coro chegou ao fim, alguns, de entre o público, já gritavam por bis. Entretanto, começou a gritar-se "Viva a Itália!" e "Viva Verdi".
As pessoas do poleiro (os lugares das galerias mais altas e mais baratos) começaram a jogar papeis cheios de mensagens patrióticas - alguns querendo "Ricardo Mutti, senador vitalício.

Terminada a transcrição das declarações de Muti, é interessante lembrar um significado particular da mensagem "Viva Verdi". Na época das lutas
pela libertação do domínio austríaco, a meta era a unificação da Itália, sob o mando do então rei do Piemonte e Sardenha, Victor Emmanuelle.


Os activistas da unificação gritavam e escreviam nos muros, por toda a Itália, "Viva VERDI". Sob o disfarce da grande popularidade do compositor o que se pretendia dizer era, retendo apenas as primeiras letras após o Viva era: "Viva Victor Emmanuelle Rei D'Italia!".

Ainda que houvesse um precedente, em 1986 fora concedido um bis no La Scala de Milão, Muti hesitava fazê-lo em Roma. Para ele uma ópera deve fluir do início ao fim.


- "Eu não queria simplesmente tocar um bis. Era preciso que houvesse um motivo muito particular", recordou Muti. Mas o público já tinha despertado nele o sentimento patriótico e, num gesto teatral, o regente virou-se no seu pódio, fazendo frente, ao mesmo tempo ao público e a Berlusconi. E eis o que ele disse depois que os apelos por um bis se calaram e se escutou, vindo da plateia, um "Viva Itália!"

Disse Muti: - "Sim, estou de acordo com isso, "Viva a Itália!" mas não tenho mais 30 anos e tendo vivido minha vida como um italiano que muito andou pelo mundo, tenho vergonha do que se passa em meu país.


Então, eu vou ceder ao vosso pedido de bis para "Va pensiero". Mas não é somente pela alegria patriótica que sinto presente, mas porque esta noite, enquanto eu dirigia o coro que cantava "Oh, meu país, belo e perdido", eu pensei que se nós continuarmos assim vamos matar a cultura, sobre a qual se construiu a história da Itália e, nesse caso, nós e a nossa pátria, seremos "belos” mas “perdidos"
(Irrompem aplausos, inclusive dos artistas em cena)

Muti, continua: -
"Desde que reina aqui um "clima italiano" eu, Muti, permaneci calado por muitos e longos anos. Gostaria agora… que déssemos um sentido a esse canto. Como estamos em casa, no teatro da capital, e com um coro que cantou de forma magnífica e foi acompanhado magnificamente, se vocês quiserem, eu proponho-vos que se juntem a nós para que cantemos todos."

Foi então que ele convidou o público a cantar com o coro dos escravos.


- "Eu vi grupos de pessoas se levantando. Toda a Ópera de Roma se levantou. E o coro, no palco, também se levantou. Esse foi um momento mágico na Ópera.

Naquela noite não foi somente uma apresentação de Nabucco, mas foi igualmente uma declaração do teatro da capital dirigida aos políticos."


E agora, se leram esta explicação, ouçam esta peça da Ópera de Verdi. Eu comovi-me, mais amigos meus se comoveram, sentimo-nos italianos, que fazemos parte dos povos do sul da europa cujo principal valor será sempre o da cultura e que nenhum erro de políticos justifica a humilhação que nos está a ser infligida.


Mas, naquele momento, naquela sala, naquele contexto, brasileiros, portugueses, americanos, cidadãos de um qualquer país, todos nos sentimos italianos porque há valores que, simplesmente, são universais.

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