quarta-feira, novembro 02, 2011

TEREZA

BATISTA

CANSADA

DE

GUERRA


Episódio Nº 246




-Acorreram homens e mulheres, aquela confusão. Nessas ocasiões aparece sempre um alcaguete para chamar a polícia, em geral um tipo que não tem nada a ver com o assunto, nele se metendo de puro vedetismo ou cumprindo vocação de delator. Conduziram Maria para um dos quartos do andar de cima onde mulheres exerciam o preço da tabela, o povaréu foi atrás, deixando a sala praticamente vazia. Do que se aproveitou Tereza para dar fuga ao vingador, lavado em pranto e em arrependimento, no maior cagaço ante a perspectiva de polícia, cadeia, processo.

- Cai fora, maluco, enquanto é tempo. Tem onde se esconder uns dias?

Tinha os parentes estabelecidos na Bahia. Abandonando o punhal e a paixão, jogou-se pela escada, sumiu nos becos. A polícia compareceu meia hora depois, na pessoa de um guarda.

Do acontecido não encontrou rasto, ninguém soube dar notícia do punhal, criminoso e vítima, não passando a denúncia de pilhéria de mau gosto de algum engraçadinho a gozar a autoridade. O patrão do cabaré e do andar de cima abriu uma garrafa de cerveja, geladinha, para o guarda, atrás do balcão.

A quase vítima removida mais tarde para a Barroquinha por Almério, foi medicada por um estudante de farmácia razoavelmente bêbado àquela hora tardia, pelo qual caiu de imediato apaixonada:

- É um rolete de cana… - sussurrou a apunhalada revirando os olhos. Natural de Santo Amaro da Purificação, zona açucareira, para ela homem bonito era rolete de cana.

Dois dias depois voltava a espevitada a ser vista no Flor de Lótus em companhia do aprendiz de boticário, a dançar agarradinha. Em hora de trabalho, não tendo mesmo juízo na cabeça.

Rafael erguera o punhal assassino devido à evidência de macho na cama ardente de Maria Petisco em hora de amor e não de ofício, alta madrugada. A acreditar em certos rumores pertinazes, quem se encontrava com a fogosa pondo cornos no galego (e nos demais xodós da rapariga) não era vivente e, sim, encantado.

Segundo consta, Oxóssi e Ogum, os dois compadres, costumavam vir à Barroquinha, ao menos uma vez por semana, a visitação a Maria Petisco e à negra Domingas, montarias de um e outro, respectivamente.

Nem Tereza nem ninguém conseguiu tirar o assunto a limpo, mantendo-se as duas preferidas em natural reserva.

Na abalizada opinião de Almério, entendido nesses embelecos, é bem provável fosse assim, não sendo essa a primeira vez em que se soube de orixá em cama em cama de feita ou de iaô, ornamentando marido ou amante com chifres esotéricos, nem por isso menos incómodos. Havia casos comprovados. O de Eugénia de Xangô, vendedora de mingau nas Sete Portas, casada. Xangô, não contente de traçá-la às quartas-feiras, terminou por proibir qualquer relação de cama entre ela e o marido e não coube apelação, o chifrudo conformou-se.

Com Ditinha foi triste e divertido o enredo: Oxalá se apaixonou por ela, não saía da cama da criatura, faltando até às obrigações de fundamento. A vida de Vitinha virou um inferno: era Oxalá partir, Nana Burokô descia, no maior dos ciúmes, e aplicava surras colossais na coitada. Ah! Essas surras invisíveis, só quem as tomou sabe quanto doem – concluía Almério, ouvido com respeito e atenção.

9

Algum tempo após o incidente com Rafael, tendo ido almoçar a casa de Maria Petisco, Tereza encontrou a rapariga transtornada, outra pessoa. No ombro, a pequena cicatriz, mas onde o riso, a gaitada alegre, a despreocupação, o alvoroço, tudo quanto a fizera tão popular na zona? Cara fechada, rosto preocupado, macambúzia. Não só ela, também a negra Domingas, Doroteia, Pequenota, companheiras de casa, e Assunta, proprietária do bordel. Assunta, na cabeceira da mesa, refugava a comida.

- Gentes, o que é que há com vocês?

- Com a gente só, não. Com nós todas. Vão mudar a zona, não ouviu falar? Na semana que vem se você quiser comer com a gente, tem que ir ao cu de Judas – respondeu Assunta de mau humor.

- Que negócio é esse? Não soube de nada.


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