sábado, novembro 05, 2011

TEREZA

BATISTA

CANSADA

DE

GUERRA



Episódio Nº 249


Na etapa inicial de empresa assim vultosa são preparados os planos, completada a organização, despertado o interesse do público, recolhido o dinheiro necessário ao financiamento, enquanto arquitectos, urbanistas, engenheiros, paisagistas estudam e põem de pé o monumental projecto; as obras propriamente ditas só são iniciadas daí a dois anos.

Dois anos, vinte e quatro meses. O velho Hipólito examina os casarões. Durante esse tempo continuarão a abrigar ladrões, vagabundos, crianças e ratos? Ou devem ser demolidos imediatamente, limpando-se a área por completo, conforme reclama um dos engenheiros?

Sobradões de pedra e cal, em ruinoso estado, é certo, porém sólidas construções. O velho Sardinha não se conforma.

- A não ser para bordéis de ínfima categoria, não vejo para que possam servir, opina o engenheiro.

O velho ouve em silêncio. Mesmo em frases depreciativas, soltas à brisa do golfo, há dinheiro a ganhar.

12

A decisão de transferir a zona da Cidade Alta para a Baixa não fora assim tão repentina quanto parecera a Assunta e às suas inquilinas. Fossem dadas à leitura atenta dos jornais, não teriam sido surpreendidas pela ordem de mudança transmitida oralmente por Peixe Cação e pelo detective Dalmo Coca, na visita matinal. Mas contentavam-se com as páginas de crimes e as colunas sociais, onde obtinham ração suficiente de emoções.

De uma parte, roubos, assassinatos, violências a granel, choro, ranger de dentes: de outra, festas, recepções, banquetes, risos e amores, champanhe e caviar.

- Um dia, ainda hei-de provar esse tal de caviar… – garante Maria Petisco após a leitura da apaixonante descrição do jantar de Madame Tutê Muscat, redigida pelo divino Luluzinho, com suspiros e pontos de exclamação. Champanhe não me empolga, já tenho tomado às pampas.

- Nacional, minha branca, não vale nada. Boa de verdade é a francesa e essa não chega para seu bico – esclarece Doroteia, pontilhosa.

- E você, já tomou, princesa?

- Uma vez. Na mesa do coronel Jarbas, um de Itabuna, no Palace, no tempo do jogo. É toda de bolhas, parece que você está bebendo espuma molhada.

Um dia, vou arranjar um coronel cheio de grana, e me atocho de caviar e champanhe francês. Francês, inglês, americano, japonês. Vocês vão ver.

A discutir champanhe e caviar, desprezando as páginas nobres, opinativas, os editoriais, não se deram conta da repentina indignação a apossar-se dos proprietários das gazetas pelo facto de estar a zona de meretrício localizada praticamente no centro da cidade.

Na Barroquinha, ao lado da Praça Castro Alves, “nas vizinhanças da Rua Chile, coração comercial da urbe, onde se encontram as lojas mais elegantes de tecidos, roupas, calçados, as joalharias, as perfumarias, processa-se o degradante comércio do sexo. As senhoras de sociedade vindo às compras, “são obrigadas a acotovelar-se com as marafonas”.

Da Ladeira de São Bento é perfeitamente visível “o torpe quadro das prostitutas às portas e janelas, na Barroquinha, seminuas, escandalosas.”

Espalha-se a prostituição por todo o centro: Terreiro, Portas do Carmo, Maciel, Taboão, área turística, um absurdo. “Descendo as ruas e becos do conjunto colonial do Pelourinho, mundialmente famoso, os turistas testemunham cenas vergonhosas, mulheres em trajes sumários, quando não completamente despidas, às portas e janelas, nas calçadas, palavrões, cachaçada, o vício sem peias, às escâncaras, à esbórnia.”

Por acaso os turistas “chegam das plagas do Sul e do estrangeiro para assistir a espectáculos tão deprimentes, indignos dos nossos foros de civilização, de capital nacional do turismo?”
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