sexta-feira, novembro 25, 2011

Uma Lacuna Muito Necessária?

A propósito da história do Urso de Peluche chamado Brinker...

Será que a religião preenche uma lacuna muito necessária?

Diz-se frequentemente existir no cérebro uma lacuna que tem a forma de Deus e que é preciso preencher: temos uma necessidade psicológica de Deus – amigo imaginário, pai, big brother, confessor, confidente – e a necessidade tem de ser satisfeita quer Deus exista de facto, quer não.

Mas não será que Deus vem atravancar um espaço que melhor seria que preenchêssemos com outra coisa? Talvez a ciência? A arte? A amizade humana? O humanismo? O amor por esta vida, vivida no mundo concreto, sem dar crédito a eventuais vidas para além da morte? Um amor pela natureza – aquilo a que o grande entomólogo E.O. Wilson chamou Biofilia?

Já se apontaram à religião quatro grandes funções na vida humana: explicação, exortação, consolo e inspiração.

Historicamente, a religião aspirou a explicar a nossa existência e a natureza do universo em que nos inserimos. Nesta função ela foi, entretanto, completamente ultrapassada pela ciência.

Por exortação pretendo dizer a orientação moral sobre o modo como nos devemos comportar.

Quanto ao consolo e inspiração abordaremos de seguida mas, à laia de preâmbulo, começaremos com o fenómeno do «amigo imaginário» da nossa infância que julgo ter semelhanças com a crença religiosa.

Será o fenómeno do amigo imaginário uma ilusão de tipo superior, numa categoria diferente do comum faz-de-conta da infância?

Suspeito que o fenómeno do Binker da infância pode ser um bom modelo para compreender a crença teísta dos adultos. Não sei se os psicólogos já estudaram a questão deste ponto de vista mas seria digna de investigação.

Companheiro e confidente, um Binker para a vida: esse é, seguramente, um papel que Deus desempenha – uma lacuna que perduraria se Deus desaparecesse.

Outra criança, uma menina, tinha um “homenzinho púrpura” que lhe parecia uma presença real e visível e que se materializava no ar com uma cintilação e um suave tinido.

Visitava-a com regularidade, especialmente quando se sentia sozinha, mas com menor frequência à medida que ela foi crescendo.

Um certo dia, mesmo antes de ir para a escola, o “homenzinho púrpura” apareceu-lhe, anunciado pelo habitual tinir das campainhas, para lhe dizer que não voltaria a visitá-la.

Isto entristeceu a menina, mas o homenzinho púrpura disse-lhe que ela estava a crescer e que no futuro não iria precisar mais dele. Agora tinha de deixá-la para poder ir cuidar de outras crianças. Prometeu-lhe, no entanto, que voltaria se ela precisasse dele a sério.

Voltou, de facto, muitos anos mais tarde, num sonho, numa altura em que ela estava a atravessar uma crise pessoal e a tentar decidir o que fazer à vida.

A porta do quarto abriu-se e apareceu uma carrada de livros, empurrada, quarto dentro… pelo “homenzinho de púrpura”.

Ela interpretou isto como sendo um conselho no sentido de ir para a universidade – conselho que ela seguiu e mais tarde considerou bom.

É uma história enternecedora que consegue, melhor do que qualquer outro exemplo, acercar-nos da compreensão do papel consolador e aconselhador que os deuses imaginários têm na vida das pessoas.

Um ser pode existir apenas na imaginação e, ainda assim, parecer completamente real à criança, dando-lhe verdadeiro consolo e bons conselhos.
(continua)

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