segunda-feira, dezembro 19, 2011

TEREZA

BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA





Episódio Nº 286


A maioria dos curiosos prefere manter-se no Terreiro de Jesus à espera dos acontecimentos. Na área cercada apenas uns quantos renitentes fregueses, discutindo nas mesas dos bares, traçando cervejolas.

Não se enxerga uma única mulher a fazer a vida. As que não estão passeando permanecem no interior das pensões, a descansar. Enviados pelo comissário Labão, os tiras apresentaram um ultimato às sediciosas: têm meia-hora para abrir as casas, assumindo os postos habituais nas portas, nas janelas, nas salas de espera, no trotuar, ou bem paradas nas esquinas. Nem resposta.

Apenas os bares estão funcionando. Castelos, bordéis, pensões, fechados às escuras. Nada lembra a animação costumeira, não se ouvem palavrões, nem risos de deboche, nem o cicio dos convites, as ofertas chulas, tentadoras, o passar dos homens, a exibição das mulheres seminuas, apenas o eco das patas dos cavalos nas pedras negras do calçamento.

A Semana Santa caindo na segunda quinzena de Setembro, louco calendário.

Até o cego Belarmino com mais de vinte anos de ponto fixo em frente ao movimentado bordel de Vavá de onde só se afasta em dias de grandes cerimónias religiosas se retirara, cansado de esperar pelos caridosos fregueses, indo esmolar na escadaria da catedral. Para cada sítio o reportório certo:

Salve o menino Jesus
Em seu berço de luz
E o senhor São José
Protector de nossa fé
E a santa Virgem Maria
Com bondade e cortesia.

No Maciel, empunhando o revólver, o comissário Labão Oliveira dá ordens de marcha às tropas dos bons costumes e da moral. No Pelourinho, com um minuto de atraso devido à porcaria do relógio apreendido a um contrabandista, Peixe Cação avança, seguido pelos tiras e guardas.

A batalha começou! – proclama o locutor da Rádio Abaeté, onde está a notícia está a Abaeté, na água e no fogo, na paz e na guerra. A zona virou um pandemónio! – vibra ao microfone a voz de Pinto Scott, a garganta de ouro da rádio grémio da Bahia.

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As portas das pensões e dos castelos são abertos na violência aos pontapés, na força dos ombros dos policiais. Guardas e tiras invadem as casas, agridem as mulheres, obrigando-as a sair à rua. Entram em cena os cassetetes, os bastões de borracha, alguns secretas preferem soqueiras de ferro, chove pancada, gritos e palavrões, mulheres fogem portas afora, outras resistem, são arrastadas. É o início da operação Retorno Alegre ao Trabalho.

Para as tropas da legalidade, um divertimento.

Em alguns casos, todavia, a tarefa dos agentes complica-se, torna-se desagradável. Na pensão de Ceres Grelo Grande as instalações sanitárias estavam sem funcionar há mais de vinte e quatro horas, obrigando as pensionistas ao uso incómodo dos urinóis: acumulados nos fundos da casa revelaram-se excelentes armas de guerra. Empunhando penicos cheios, as raparigas enfrentaram e puseram em fuga os invasores. Comandante do batalhão, o detective Dalmo recebeu nas fuças e no terno cinzento-claro o conteúdo de um dos vasos, no qual se aliviara repetidas vezes a novata Zabé, vítima de feroz disenteria. Ficou o elegante coberto de mijo, merda e ódio. Ordenou muita porrada e deu o exemplo.


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