quarta-feira, dezembro 21, 2011

TEREZA

BATISTA

CANSADA

DE

GUERRA



Episódio Nº 288



A voz troante do astuto caça votos ressoa no interior de milhares de residências. Nem da Tribuna do Conselho Municipal. Em toda a cidade os aparelhos de rádio estão ligados, a população atenta às notícias dos acontecimentos, ao destino do balaio fechado.

“De coração sangrando”, Reginaldo Pavão dirige-se aos “ouvintes da rádio Abaeté, ao povo da Bahia, à população soteropolitana”, relata o “dantesco espectáculo, a desenrolar-se ante seus olhos “obliterados pela emoção” comparando-o àqueles ocorridos “na Roma dos Césares de que nos fala a sublime história universal”. As palavras vibram no ar: “Tenho a voz embargada pelas lágrimas.”

Lança comovente apelo às prostitutas: “Confio no patriotismo das gentis patrícias que os temporais da existência atiraram ao lupanar. Não irão cometer a indelicadeza de deixar os heróis da Atlântico Sul, os invencíveis filhos da gloriosa nação americana, na…” Como dizer? Diga “a ver navios”, vereador, use a expressão do comissário Labão Oliveira já popularizada pelos locutores escondidos nos vãos das portas do Maciel e do Pelourinho. “…não deixarão a ver navios aqueles bravos que arriscam a vida para que todos nós – inclusive vós, gentis patrícias, galantes madalenas – gozemos das venturas e dos benesses da civilização. Vossa inconveniente abstinência ameaça criar um problema diplomático, atentai na gravidade do facto, minhas caras irmãs prostibulares”.

Indescritível sucesso alcança o patético discurso junto aos ouvintes da Rádio Abaeté. Pena não haja chegado apelo tão comovente às rameiras, ocupadas em apanhar e a fugir, espalhadas nas ruas, salvando-se das patas dos cavalos.

Em seguida, Reginaldo Pavão dirigiu-se a Sua Excelência, o Governador do Estado, “com o respeito devido à alcandorada figura do grande homem colocado à testa dos gloriosos destinos da Bahia”, invocando-lhe os sentimentos cristãos e a comprovada capacidade de estadista”. Os marinheiros rumam para terra, as mulheres resistem às ordens da polícia, a situação no baixo meretrício é melindrosa, o conflito em curso poderá estender-se e ameaçar a tranquilidade das famílias baianas. O nobre vereador recorre ao nobilíssimo Governador: “Ordene, Excelência, a libertação das donas-de-pensão ainda presas e lhes permita a reabertura das casa ontem fechadas pela polícia disposta a mudá-las da Barroquinha para a Ladeira do Bacalhau”. Trata-se de uma emergência, governador, suspenda a ordem de mudança, impeça que o conflito “ainda restrito nos limites da zona, assuma proporções de catástrofe nacional, quiçá internacional”!

Na cidade em pânico, famílias trancam as portas das residências, os telefones do Palácio do governo e da Chefia da Polícia não param de tocar, reclamando providências.

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No interior do Buick escondido no matagal, Camões e o companheiro escutam o apelo do vereador Reginaldo Pavão. Haviam ligado a rádio para obter agradável fundo musical à puxada de fumaça, Camões presta atenção:

- O negócio pifou. Vamos buscar o que é nosso enquanto é tempo.

- É isso, concorda o outro, atarracado, quase um anão, criatura de poucas palavras.

Assume o volante, leva o Buick para o destruído passeio da Ladeira do Bacalhau. Os dois sócios sentem-se em forma, dispostos a reaver a mercadoria e transportá-la de volta. Desde o começo esse assunto marchou mal, cheio de embaraços.
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