sexta-feira, dezembro 23, 2011

TEREZA

BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA





Episódio Nº 290




Finalmente, a porta é aberta, Peixe Cação atira-se corredor adentro e quem vê em sua frente? A coisa ruim, a arruaceira, a desbocada Tereza Batista. Aliás, naquele instante, Tereza Pé nos Culhas, nos culhas do comandante Cação com toda a força do bico quadrado do sapato de última moda, oferta de seu amigo Mirabeau Sampaio, para quem posara, servindo de modelo para uma Nossa Senhora da Aleitação.

- Ai!

O grito de morte do investigador paralisa as tropas invasoras, Tereza se esgueira entre os polícias, sai porta a fora acompanhada por outras mulheres. Peixe Cação arreia, as mãos a segurarem os bagos, naquele instante não pensa sequer em vingança, tamanha dor. Só minutos após, quando consegue levantar-se com a ajuda de dois secretas, mistura aos uivos as pragas de ódio.

Majestosa, em passo comedido de rainha de carnaval e do puteiro, dona Paulina de Sousa desfila entre quatro tiras, guarda de honra, até um dos carros celulares, onde a deixam em companhia de súbditas detidas antes. Ela as tranquiliza, não temam, Ogum Peixe Marinho disse que tudo terminará a contento, quem não arrisca não petisca.

Cercada pelos soldados da polícia militar, Tereza escapa entre as patas dos cavalos, corre, sobe a escadaria da Igreja do Rosário dos Negros, encosta-se numa das portas. Outras mulheres fazem o mesmo, os cavalos não podem subir os degraus, mas os tiras se aproximam para arrancá-las dali.

Nas costas de Tereza a porta se entreabre e, ao entrar Igreja adentro, ela ainda pôde ver, desaparecendo atrás do altar, imponente velho de barbas e bordão. Quem sabe o sacristão, um sacerdote, um santo? Mesmo as putas têm patrono, Santo Onofre. Teria sido ele ou um dos orixás da corte de Tereza?

Na Longa noite da Batalha do balaio Fechado – título dado pelo poeta Jehová de Carvalho ao largo e ardente poema em que cantou os feitos e as provocações daquela jornada – aconteceram muitas coisas sem explicação, incompreensíveis para a maioria, mas não para os poetas.

Das pensões do Pelourinho saem mulheres em desabalada correria, algumas atiradas nos passeios pelos guardas e detectives. Precipitam-se para a Igreja. Outras chegam do Maciel e do Taboão, em busca de abrigo e segurança. Algumas, postas de joelhos rezam o padre-nosso.

54

Depois da moqueca de siri mole acompanhada de cerveja geladinha, Anália e Kalil tomam um ónibus em direcção ao Largo da Sé. Dona Paulina de Sousa dera ordens às inquilinas para regressarem cedo, afim de evitar possíveis conflitos com inconformados fregueses.

Na altura da Praça Castro Alves, porém, Kalil, batendo na testa, convida Anália a descer:

- Ia-me esquecendo de novo.

- O quê, meu bem?

- Do Santo Onofre de dona Paulina.

Não se contentando em favorecer bons negócios e facilitar dinheiro aos devotos, Santo Onofre é o padroeiro oficial das mulheres-da-vida. Nos bordéis e pensões que se prezam, nas salas de jantar, a imagem do santo, cercado de flores e velas votivas, é muitas vezes vizinha de pejis onde estão assentados poderosos orixás. (click na imagem)

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